Capítulo 8 - Laura

243 33 1
                                    

Laura

Abri o armário onde normalmente ficavam meus remédios, mas não havia mais nenhum ali. Eram dez horas da noite, meus pais não haviam chegado e na enorme casa só havia eu e a empregada.

E mesmo com ela vindo ao meu quarto a cada momento, mostrando que eu não estava sozinha, eu me sentia estranhamente sozinha.

Sozinha, mas com ele aparecendo a todo instante.

Ele que ao mesmo tempo que estava a metros de distância longe de mim, estava bem perto, até mesmo dentro, impossível de tirar dos meus pensamentos.

Eu só conseguia dormir a base de remédios fortes, porque toda vez que tentava dormir sem eles, eu o sentia ao meu lado tocando em meu corpo.

Abri o meu diário em cima da escrivaninha e olhei para a folha desse dia que eu já havia escrito há algum tempo. Li a carta uma última vez:

"Oi, não sei como deve começar uma carta para abordar esse assunto, na verdade não imagino como posso falar sobre isso, mas me perdoem, porque quando encontrarem essa carta, eu já não estarei mais aqui.

Peço desculpas pelo que eu fiz, mas não era o que eu queria fazer, eu amo todos vocês, mas não consigo mais me amar.

Ser eu está sendo insuportável.

Mãe e pai eu sei que vocês tentaram fazer com que eu o esquecesse, mas a marca está além do que os seus olhos físicos podem ver, está na minha alma. Toda vez que fecho os olhos, ele está ali, me tocando e fazendo coisas que não deveriam sequer passar pela cabeça de uma menina que só tinha onze anos na época.

Às vezes penso no que Deus deve achar de tudo isso, se é que Ele existe, peço desculpas para Ele também por não ter suportado a vida nesse corpo que Ele me deu.

Eu tentei seguir minha vida, mas durante todos esses dez anos eu não consegui me encaixar em lugar algum, sempre estou em plano de fundo, as pessoas não me veem, e eu não consigo falar.

Eu tento viver, mas a vida cansa. Eu deito cansada, mas acordo ainda pior.

Vocês não tem culpa, o único que tem culpa é ele. Roger... Seu nome tem um gosto amargo, assim como as lembranças.

Por que tinha que ser logo eu?

Mais uma vez, me perdoem por não ter suportado."

Terminei de ler a minha última folha escrita no diário. Ela não seria a última apenas de um caderno, mas seria da minha vida também.

Vesti a roupa que eu havia separado há alguns dias e coloquei meu casaco guardando meu celular em meu bolso.

Deixei meu diário aberto, coloquei minha gargantilha que havia ganhado dos meus pais ainda quando era nova, como se coisas materiais pudessem suprir a minha necessidade interior.

Avisei a empregada que ia sair e comecei a andar em direção a Ponte do Silêncio. Mesmo que nós morassemos em um bairro nobre da cidade, a ponte não ficava tão longe assim da minha casa, o que eu agradeci silenciosamente, assim não tinha tempo para voltar atrás.

Comecei a caminhar pelas ruas e eu observava tudo com o maior interesse. Era a última vez que eu passaria ali, o latido dos cães, a erva daninha que crescia ao pé da calçada, as casas e as cores que as pessoas haviam escolhido.

Diversas pessoas passavam por mim, mas era a cidade. Cada um tinha seus afazeres, cada um estava preocupado com alguma responsabilidade. Será que alguém percebia que eu ia me matar? Será que eles enxergavam que aquela era a última vez que eles me viam?

Virei na próxima rua e dois rapazes estavam encostados na parede. Um apontou discretamente para mim e o outro parecia até mesmo inseguro sobre o que quer que eles estivessem conversando.

Se fosse outro dia, eu daria meia volta sem pensar duas vezes, mas ali por mais que eu estivesse com medo, eu segui adiante, se eles quisessem acabar com tudo eles estariam fazendo um favor.

Um deles começou a andar na minha direção, era alto, um porte atlético, a pele morena e os olhos mesmo escuros pareciam brilhar com a noite. Ele parou na minha frente e falou baixo:

-Eu não quero te machucar. Só me passa o seu celular.

Olhei para ele, mas não me mexi.

-Anda, garota! -Ele estava nervoso e seus olhos pararam sobre o meu pescoço. A minha gargantilha deveria brilhar com a luz da lua. Ele levou sua mão direita até o meu pescoço e puxou com violência a jóia. Senti meu pescoço arder e o canto dos meus olhos se encheram de lágrimas e meu corpo foi para frente. Uma das minhas mãos foram para o meu pescoço e a outra tentei me segurar na parede.

O rapaz saiu correndo junto com seu amigo, como se eu tivesse forças para ir atrás!

Segui o meu caminho me sentindo ainda pior e finalmente cheguei até a ponte.

Me aproximei da grade de proteção, coloquei minhas pernas para o lado de fora e me sentei olhando para baixo. O silêncio da noite me cercava, nem o barulho do rio se escutava.

Respirei fundo, eu não queria fazer aquilo, eu não queria morrer, mas não sabia o que fazer. Eu não conseguia me libertar do meu passado, por mais que eu tivesse uma vida boa, por mais que eu tivesse tudo ao meu alcance, dinheiro, pais bem sucedidos, chance de estudar no exterior, eu ainda estava presa, não conseguia ver o meu futuro.

Fechei meus olhos, era agora ou nunca. Eu ia me jogar, eu não voltaria atrás.

O vento veio com mais força, balançando meus cabelos pelo meu rosto e eu abri os olhos. Olhei para o lado e um papel amarelo se destacava preso na grade. O vento o balançava com força, mas ainda assim ele não se soltava.

Forcei minha visão ainda mais percebendo que não era um papel de uma embalagem qualquer, parecia até mesmo uma carta. Franzi as sobrancelhas e me levantei para ir pegar.

A curiosidade era maior, me agachei e a tirei com cuidado sem rasgar.

"Essa carta é sua, pode abrir.
De: FJU
Para: Você."

Abri o envelope, sentada sozinha ali naquela ponte, havia um pedaço de folha escrito:

"Não importa o que você passou, não desista ainda, a morte não é o único caminho. Existem pessoas que podem te ajudar, continue porque você é forte!"

Minha visão embaçou e eu senti vontade de chorar.

Embaixo da frase havia um telefone:

"Se precisar falar com alguém, entre em contato com nós."

Tirei meu celular do bolso e sem pensar duas vezes salvei o número.

[24/08 23:56] Laura Suzuki: Eu não quero morrer. Seu bilhete me ajudou, mas não sei até quando. Me ajuda, por favor, a encontrar outro caminho que não seja a morte.

Tirei uma foto do meu rosto todo inchado ali na ponte e enviei para aquele contato.

O CAMINHODär berättelser lever. Upptäck nu