Capítulo 84 - Laura

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Laura

Por incrível que pareça meu pai continuou indo para a igreja. Ele não ia na pequena porque era muito longe de casa e de seu trabalho, ele ia na catedral que ficava no centro da cidade. Já a minha mãe não ia tanto, ia mais porque eu e meu pai íamos, mas eu tinha fé de que ela iria encontrar o próprio motivo para ir.
Eu ia algumas vezes na catedral para acompanhar o meu pai, mas o meu maior prazer era sem dúvida alguma ir naquela pequena igreja do bairro.
Era a mesma coisa, mas ali estava todo o meu início, meu fim e meu recomeço. E pela primeira vez em muito tempo, eu tinha amigos.
Se alguém me falasse que eu teria amigos algum tempo atrás, eu iria rir, desconfiar.
Eu tinha tudo o que quisesse material, mas o prazer de ter amigos de verdade eu só tinha encontrado ali.
Eu havia conseguido vencer o meu medo de conversar com as pessoas. Claro que eu não falava muito, mas com a ajuda da obreira eu havia entendido que aquele era meu jeito, e que Deus estava ali para me usar como fosse.
Vitória me levava para todo canto que fosse, sempre me convidava para ir até a sua casa para assistirmos alguma coisa ou bater perna depois dos nossos afazeres, era uma casa tão simples, mas eu me sentia tão feliz!
-Laurinha, já fui na sua casa, sei que é muito diferente da minha, mas espero que você não se importe.
-Não me importo, Tóri. Estou feliz por estar aqui.
Vitória riu.
-Nunca tive uma amiga assim, sabe?
-Uma amiga? -Olhei surpresa e sorrindo. -Somos amigas?
-Olha, eu já fui na sua casa, já dormi lá, usei seu banheiro e seu pijama, se eu não for sua amiga, menina do céu. -Ela começou a rir e me abraçou.
Senti as lágrimas escorrerem pelas bochechas.
-Laurinha, por que você está chorando? -Ela me olhou preocupada e me colocou sentada ao seu lado em sua cama. -Eu falei algo de errado?
-Não, pelo contrário, acho que nunca tive uma amiga. Obrigada! -Assoei o nariz.
-Eu que agradeço, acho que agora sei o que é ter amiga de verdade. As outras que eu tinha só se interessavam quando eu era o que elas queriam, se eu fosse um pouco do que sou hoje, elas nunca estariam próximas a mim, isso tá meio óbvio agora né? Meus problemas com o Erick só me mostraram quem realmente vale a pena ter por perto. -Ela sorriu. -Só queria que você gostasse de dançar tanto quanto eu para me ajudar no Cultura.
-Ah, não. -Brinquei com ela. -Você sabe que eu posso te ajudar em muitas coisas, mas dançar não dá.
-Tá bom... -Ela se deu por vencida. -Mas você não gosta de fazer nada? Tipo, praticar esportes?
-Deus me livre!
-Falar com as pessoas?
-Estou tentando, mas você sabe que não é o meu forte também.
-Deveria conversar com o obreiro, vê em algo que você possa ajudar, eu tenho certeza que uma menina como você, deve ter um talento enorme aí dentro!
Aquelas palavras, ninguém nunca havia me dito aquilo.
Já haviam dito que eu era inteligente, bonita, porque eram coisas que eu me esforçava para ser, agora que eu tinha um talento? Ninguém nunca havia me motivado a procurar fazer algo diferente e que eu fosse boa.
Que eu gostasse.
No dia seguinte o obreiro estava sentado lendo a Bíblia enquanto alguns jovens brincavam de dama e outros ensaiavam, outros jogavam Uno e me aproximei cautelosamente:
-Oi, obreiro. Posso conversar um minutinho com o senhor?
-É claro! -Ele abaixou os óculos. -Quer aprender a jogar dominó também? Porque uno eu já me dei por vencido, não aprendo de jeito nenhum.
Soltei uma risada fraca:
-Meu pai falou isso uma vez.
-É aí que tá o problema, ao invés de parecer que eu sou filho do seu pai, eu tô na mesma faixa etária dele. -Nós dois rimos. -O que você precisa?
-Queria ajudar em alguma coisa.
-Como assim?
-Olha, a Vitória ajuda na dança. A Vivian canta e ajuda o senhor a anotar as coisas. A obreira é quase o braço direito do senhor. O Renato ajuda a fazer aquelas cartas amarelinhas. Eu queria ajudar em alguma coisa, mas eu não sei no que, não gosto muito de falar, nem aparecer muito para as pessoas.
O obreiro pensou, pensou, pensou, parecia que sua cabeça ia sair fumaça, quando finalmente ele abriu os olhos azuis e deu um pulo animado da sua cadeira:
-Já sei! -Ele sorriu. -Gosta de mexer no celular?
Dei de ombros:
-Acho difícil conhecer um jovem que não goste, sabe...
-Exatamente! Tem muito jovem que eu não consigo convidar para ele estar aqui, porque dificilmente eu vou encontrar ele na rua. Mas se a gente conseguisse entrar no celular dele, nós conseguimos entrar na mente dele, conseguimos entrar na casa dele!
-O senhor quer hackear o celular desses jovens? -Perguntei sem entender.
-Pior que não seria má ideia mandar um vírus do bem, viu! -Ele começou a rir sozinho. -Desculpa pela piada de velho. Eu quero levar o que acontece aqui para esses jovens terem o interesse de vim aqui.
-O senhor diz como mídias?
-Isso! Poderíamos fazer matérias, tirar fotos, mostrar o Caminho nessas redes tão escuras. E aí, você topa?
Concordei super feliz, eu não tinha ideia por onde começar, mas comecei tirando, criando, tudo eu fazia uma oração antes e Deus me dava sabedoria.
E até mesmo eu que não gostava de falar, comecei a criar vídeos e me colocar em frente a câmera.
Ali eu poderia errar, já que todo mundo só iria ver a parte final. E mesmo quando era algo mais espontâneo, comecei a entender que o importante não era o "mensageiro" era a "mensagem".
E acredite ou não, deu certo. Aos porcos a página da nossa igreja foi crescendo e algumas pessoas começaram a vim.

O CAMINHOWhere stories live. Discover now