07

4.9K 657 483
                                    

PASSADO
KENNEDY SALINGER

Um silêncio sepulcral tomava conta da sala de jantar na casa dos Salinger, que era localizada na beira da península de Davenport, de onde era possível ter uma bela visão do Golfo do Alasca. Os quatro membros daquela família aparentemente feliz, mas disfuncional, se entreolhavam. Cada um estava sentado num canto da grande mesa retangular de vidro, com o jantar já posto e esfriando.

A fraca luz do sol poente atravessava a grande janela na parede atrás da cadeira onde meu pai estava sentado, passando por entre a fenda das cortinas de cor creme e refletindo nos talheres de prata polida.

Eu estava alegre e faminta quando me sentei ali minutos antes, mas os dois sentimentos se esvaíram instantaneamente quando Jonathan Salinger, meu pai, desceu do segundo andar com o meu teste de álgebra nas mãos e uma expressão nada feliz em seu rosto.

— Você tirou D em álgebra II? — perguntara, mesmo tendo sua resposta escrita em letra garrafal vermelha no canto superior do papel em sua mão.

Minha mãe, sentada do outro lado da mesa, havia suspirado, prevendo a briga que estava por vir. Ela odiava as discussões que se tornaram cotidianas naquela casa.

Era sempre assim nas últimas semanas. Meu pai e eu estávamos numa montanha russa de raiva e ressentimento. A gritaria entre nós se tornara rotina. E, naquela noite, eu estava muito, muito brava por ele ter mexido nas minhas coisas para encontrar aquele maldito teste.

Depois de eu gritar, em alto e bom tom, que não pretendia ir à Universidade, ele finalmente se calou. Agora estávamos olhando um para o outro em silêncio, sem saber ao certo o que deveríamos dizer em seguida. Meu pai, sentado na cabeceira, com seus cabelos curtos e grisalhos, me fuzilava com seus olhos cor de âmbar. As sardas castanhas sobre sua pele negra eram exatamente iguais às minhas e nossas semelhanças só me deixavam ainda mais decepcionada.

Depois de mais alguns minutos em silêncio, alternei meu olhar para Reagan, que tinha um envelope nas mãos. Só então me lembrei de que ela planejava anunciar aos nossos pais, naquele jantar, que ela fora aceita na Universidade do Alasca. Ela estava muito animada, até que tudo se tornou mais uma briga entre Jonathan e eu. Seu olhar tristonho e decepcionado me comoveu. Nossos pais estavam sempre preocupados comigo, por uma razão ou outra, de modo que parecia que Reagan ficara de lado. Talvez eles pensassem que não precisavam mais lhe dar tanta atenção, já que era a mais velha e não tinha uma cardiopatia como eu.

— Reagan tem algo a contar — quebrei o silêncio.

Meus pais se viraram para minha irmã. Reagan tinha os cabelos cacheados na altura dos ombros. Seu rosto era bem delicado. Os lábios, diferentes dos meus, eram bem finos. Ela também não era alta como eu, mas pequena e franzina. Óculos redondos estavam empoleirados em seu nariz arrebitado.

Ela me fitou por um segundo, não parecendo contente com minha intromissão. Mas, por fim, se voltou aos nossos pais e colocou o envelope sobre a mesa, em cima do prato de porcelana vazio onde deveria estar seu jantar.

— Eu fui aceita na UAFK. — Ela abriu um sorriso largo e genuíno.

— Uau! — minha mãe exclamou. — Isso é ótimo, querida.

Os olhos de Jonathan rapidamente se alternaram para mim novamente. Ele tinha um olhar de decepção no rosto e as sobrancelhas estavam curvadas. Era evidente seu descontentamento.

— Essa história de patinação no gelo foi longe demais. — Ele retornou àquele assunto, ignorando completamente o que Reagan acabara de dizer. Vi com o canto do olho ela se encolher.

O Inverno Entre Nós (BITTER COLD)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora