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PRESENTE
KENNEDY SALINGER 

Não costumava me distrair quando estava num rinque de patinação. Na verdade, eu nunca fui nada além de extremamente focada quando tinha lâminas sob meus pés. Contudo, ali, na segunda-feira, no treinamento das Valkyries, eu estava patinando com minha mente bem longe do Panteão. Estava pensando em Cedric, em tudo sobre ele, mas, principalmente, em como consegui adormecer na última tempestade. O som de sua voz ao ler Moby Dick — o único livro que encontramos naquela sala — anulou completamente os ruídos do vento, raios e trovões.

E, na manhã seguinte, acordei aconchegada ao corpo quente dele, minha cabeça repousando em seu colo. Seu cheiro, um misto de perfume masculino, loção pós-barba e mar estava por toda parte. Ao abrir os olhos, me deparei com seu rosto. Adormecido ele parecia quase angelical, os cabelos loiros caindo sobre a testa, as feições relaxadas... Parecia bem distante do homem misterioso e intimidador que ele era na maior parte do tempo. Também não parecia triste ou zangado.

Poderia ter ficado observando-o por horas, mas ele não demorara a acordar. Na verdade, despertara um pouco assustado, arregalando os olhos azuis para mim, agitado. Depois disso, me afastei e ele se apressou em colocar distância entre nós. Não nos falamos mais desde então.

Tentei esquecer aquele episódio insignificante, mas era difícil. Principalmente porque o som da sua risada ficava ecoando na minha cabeça o tempo todo, tornando impossível que eu me concentrasse em qualquer coisa além de repassar toda nossa conversa na sala da casa de Adam.

Foi surpreendente encontrar em Cedric alguém tão fácil de conversar, com uma voz capaz de afastar momentaneamente todas as tormentas em minha cabeça. Todos em Davenport sempre comentavam sobre o quanto ele era agressivo, violento, mau...

Talvez eu tivesse ouvido todas as histórias sobre os Phoenix narradas do ponto de vista errado, afinal a cidade condenara todos eles e ninguém mais quis ouvir o seu lado.

Muita coisa passava pela minha cabeça enquanto eu e as outras Valkyries executávamos a formação determinada pela treinadora Hughes.

O som das lâminas dos nossos patins riscando o gelo preenchiam todo o Panteão, juntamente aos gritos de ordem da treinadora. Mas nossa equipe estava se saindo muito bem. Até mesmo Becky, que poderia ter ficado abalada após seu afogamento na semana passada, estava completamente concentrada e executando todos os movimentos com precisão.

Após ensaiarmos a coreografia três vezes, Hughes gritou:

— Chega!

Eu e as outras meninas obedecemos no mesmo instante. Paramos em fileira, como Diana sempre exigia, e a encaramos, esperando. Ela, por sua vez, ficou parada do lado de fora da pista de gelo, com as mãos nos quadris e os olhos castanhos passando por cada uma de nós como se ela estivesse buscando algo. Reconheci a expressão que imediatamente se formou em seu rosto: desgosto. E eu também sabia o motivo.

Mesmo que todas as integrantes de nossa equipe tivessem seguido à risca a coreografia criada por Hughes, algo faltava. Estava meio engessado, sem graça. Não tinha emoção. Era extremamente entediante.

— Tenho uma ideia — quebrei o silêncio com empolgação, deslizando alguns centímetros para frente.

A treinadora tomou uma respiração profunda, mas não se opôs. Provavelmente ela estava curiosa demais naquele momento. Sorri e fui até a parte direita da pista, me distanciando das outras garotas.

Eu nunca tinha tentado nada tão difícil quanto estava planejando fazer naquele momento, mas queria surpreender a treinadora. Queria, principalmente, que ela parasse de subestimar minha capacidade.

O Inverno Entre Nós (BITTER COLD)Where stories live. Discover now