Capítulo III

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Capítulo III

Num oásis recém-livrado do jugo inimigo, onde a esperança é renovada, um encontro abalará para sempre duas vidas...

Novembro de 1942.

Apesar do outono, o tempo pouco mudava no Marrocos: era sempre muito quente. Em Casablanca isso era bem aplicável. Os soldados recém-chegados da América – tendo tomado a cidade após uma batalha contra os franceses pró-Hitler mais árdua do que o comando supusera – só não derretiam porque eram feitos de carne e osso, e não gelo. O clima fechado, por consequência mais fresco, só se manifestara para atrapalhar o desembarque da Força-Tarefa Ocidental no porto de Fedala; então desaparecendo para ceder lugar ao sol em toda sua impiedade.

No final das contas, o nome oficial da missão – Operação Tocha – não podia ser mais adequado...

Um dos hotéis no centro da cidade servia como quartel provisório aos soldados americanos. Muitos refugiados que viajaram ao Marrocos tentando fugir escondidos da guerra na Europa ainda podiam ser encontrados nos quartos, transitando entre o alívio e a intimidação diante das tropas aliadas ocupando agora o local.

Havia, também, os militares franceses que não haviam prestado lealdade ao governo de Vichy e seguiam se opondo aos nazistas no exílio. Com a tomada de Casablanca com apoio norte-americano, as ações para expulsar o Eixo do restante da África e depois mirar a libertação da pátria muniam os resistentes de novo vigor. Afinal, contrariando o famoso diálogo entre Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, os franceses ainda não tinham Paris.

A sala de conferências do estabelecimento havia sido transformada numa sala de instruções, mapas e suprimentos tomando boa parte do espaço – as cadeiras enfileiradas ocupadas, àquela manhã, por significativa parte do 67º Regimento Mecanizado. Seu comandante, general Douglas T. Greene, logo surgiu com uma pasta embaixo de um braço e o semblante na casa dos cinquenta anos fechado em seriedade e receio.

Para muitos daqueles soldados, um bom discurso inspirador – embora cínico – do general Patton contribuiria muito melhor à sua moral. A incursão sobre Casablanca, mesmo vitoriosa, revelara darem o primeiro passo na África com o pé esquerdo. Outros, no entanto, preferiam o tom sóbrio de Greene. Ser realista fazia o regimento lidar melhor com os riscos, e isso aos poucos lhes incutia segurança.

– Bom dia a todos – saudou o general, todos os combatentes ficando de pé ante sua presença, para tornarem a se sentar depois de um gesto do superior.

Após abrir sua pasta sobre uma mesa e examinar brevemente o conteúdo, Greene apanhou uma folha de texto datilografado e explicou:

– Casablanca foi tomada, e com ela o domínio aliado garantido sobre quase a totalidade do Marrocos. Nossas forças em Orã e Argel também consolidaram sua presença na Argélia. No momento, o general Eisenhower pressiona os franceses colaboracionistas da Alemanha para que as tropas ainda resistindo a nós deponham as armas.

Em meio aos ouvintes, um rapaz em especial parecia razoavelmente agitado. Balançando à cadeira, tinha o rosto claro encimado por cabelos castanhos pouco focado no general, ao invés disso vistoriando o mar de cabeças ao redor em busca de alguém que partilhasse de suas inquietações.

Acabou decidindo-se pelo colega logo ao lado, moreno de pele e cabelo, dando-lhe discreta cotovelada num ombro conforme cochichava:

– Ouvi falar que o Ike está negociando para os franceses de Vichy permanecerem nos cargos coloniais em troca da rendição – revelou, referindo-se ao comandante Eisenhower pelo apelido. – Nós, barganhando com sujeitos a favor de Hitler. Tempos estranhos... Daqui a pouco Roosevelt vai receber o próprio Adolf em Washington.

Outono no Rio - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now