Capítulo V

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Capítulo V

O amor, em todas as suas certezas e contradições, pode, talvez, ser mais facilmente definido por aquilo que não é. E não, Jimmy e Joana não eram mais meros conhecidos numa cidade estranha a ambos, tampouco paciente e enfermeira...

O ferimento de Jimmy levava-os a andarem lentamente pelas vielas – algo de quem nem ele, e surpreendentemente nem Joana, poderiam reclamar. O passeio vagaroso fazia-os aproveitar não só o local e tudo que continha, mas a companhia um do outro. Ser amparado pela noviça ao caminhar, o braço e consequentemente o calor do corpo dela unidos ao seu, nutria no soldado o desejo de se perderem no labirinto da Medina e nele permanecerem, se possível, para sempre.

– E então, de que parte dos Estados Unidos você é? – indagou Joana em certo momento, querendo romper a quietude que a deixava constrangida pelo crescente agrado com a companhia do recruta.

– Nasci e cresci em Connecticut, porém minha mãe é brasileira e mudou-se grávida aos Estados Unidos – Jimmy explanou. – Só meu pai é americano. Um diplomata. Conheceu minha mãe numa delegação ao Brasil pouco depois da Primeira Guerra.

– Você tem um pouco de dois países, então? – ela ergueu as sobrancelhas cheia de curiosidade. – E parece se orgulhar disso! É algo difícil de ver nestes tempos em que as pessoas batem no peito se dizendo filhas de uma só pátria, dispostas a matar e morrer por ela.

– Digamos que eu seja muito brasileiro e pouco americano – Roberts riu. – Considero o país de minha mãe o lar ao qual realmente pertenço. Mas como fui registrado e me alistei nos Estados Unidos, o lar adotivo acabou cobrando minhas obrigações...

– Não é de todo mal, certo? Caso contrário, não teríamos nos conhecido!

Os transeuntes, ao olhá-los, poderiam concluir ser efeito do sol e da alta temperatura ambos – em particular Joana, pela tez clara – terem os rostos ardendo em vermelho como as pimentas vendidas em algumas das barracas pelas quais passavam. Porém não. A fonte da coloração era outra...

– Deixou alguém especial no Brasil? – a moça perguntou em seguida. – Quero dizer... Quase todos os combatentes que embarcam à guerra deixam alguém para trás, não é?

O breve relacionamento com Cidinha, relampejando em sua vida como um raio, voltou à mente de James; da mesma forma que o toque dos dedos dela sobre seu corpo e o gosto acre – porém atrativo – dos beijos que trocaram.

Sacudiu a cabeça, desejoso de livrar-se daquelas memórias assim como a poeira acumulada em seus cabelos.

– Ninguém verdadeiramente especial – ele replicou por fim. – Meus pais sempre foram abastados, e com isso vivi nos círculos dos ricos. Isso faz com que nos tornemos fúteis... Tomando falsos sentimentos como autênticos. Achamos que algo é amor quando na realidade não é... Até descobrirmos o amor verdadeiro.

Roberts olhou de soslaio à noviça, percebendo-a a encarar o calçamento. Temeu que seus próximos questionamentos a constrangessem ainda mais, no entanto precisava saber mais a seu respeito:

– E você, de onde é na França?

Em efeito contrário ao esperado, a pergunta eliminou-lhe o incômodo:

– De uma fazenda nos arredores de Paris, passada há gerações dentro de minha família. Meu pai sempre foi um produtor de uvas e vinhos sem muitos lucros... Mas isso não impediu todos os rapazes da região de ficarem atrás de mim.

A face de Jimmy se contorceu ao ouvir a resposta, os passos difíceis pelo beco se tornando arrastados. Bateu de súbito a ponta da muleta contra o solo, tal qual representasse o julgamento em seu íntimo. Joana no começo alarmou-se, para então assimilar a reação e quase abrir um sorriso.

Outono no Rio - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora