2.3 Fala

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Passei o resto da tarde trancado ali, revendo os números de cada uma das prostitutas, identificando os elos fracos, onde perdíamos dinheiro. Papá me fez prometer que não ia demitir mais ninguém até conhecer de perto a clientela de cada, e eu concordei apenas porque suas meninas pareciam bem diferenciadas, cada uma de um tipo de beleza fetichista que devia atrair homens de gostos e idades diversos.

Ele tinha uma equipe de onze garotas, mas eu só tinha conseguido passar por enquanto a conhecer seis delas: Selena era a negra tranquila que estava de férias até o dia anterior. Parecia bem na dela e eu apreciei sua personalidade calma. Mercedes era uma ruiva burra que não conseguia fazer A + B, mas agraciava o ego das pessoas ao seu redor e por isso era bastante querida. Mayra, a outra garota de férias, ainda não tinha voltado, mas era sempre lembrada pelas colegas pela língua ardida e eu tinha certeza que seu humor deveria ser bastante único. Tinha os cabelos loiros escorridos e a cara de gringa que contrastava com as curvas tipicamente brasileiras. Atibaia, a índia, era doce e fofa como só ela. Tratavam-na com tanto cuidado que eu achava difícil, às vezes, acreditar que ela dava como profissão. Então tinha Ceci, a dominatrix do lugar, que carregava um channel com franjinha bem pretos e tinha os olhos de um gato. Ela era altiva e determinada, mas não parecia trazer problemas a não ser entre quatro paredes. Por fim, tinha Lola, mas essa ainda era um enigma pra mim.

Elas cobravam valores parecidos, mas algumas tinham categorias de serviço, enquanto outras trabalhavam com preço único. Achei aquilo tudo muito confuso e decidi que sentaria com elas ainda para classificarmos aquilo de uma maneira mais organizada para os clientes.

Também aproveitei para perguntar a Papá o que diabos “molho” significava, e ele me confidenciou que era a propina mensal que pagava aos policiais para que o estabelecimento continuasse funcionando. Meio ranzinza, incluí aquela despesa nas minhas contas, sabendo que nada poderia ser feito a respeito.

O novo segurança viria no final da tarde ser entrevistado, e eu esperava que o valor pequeno que eu conseguia oferecer a ele fosse o bastante para um desempregado aceitar. Não conseguia pensar em abrir mão daquilo de maneira nenhuma, por mais que Priscila tivesse me dito que as confusões dali sempre tinham sido apartadas de uma forma ou de outra.

Estava bastante satisfeito com a reunião que tivemos, anotando na nova agenda que tinha comprado pro lugar o que cada pessoa tinha ficado de fazer e alguns pontos que ainda precisaria passar a elas antes de o bordel passar a funcionar nos novos termos. Agora estava tudo organizado de novo e eu estava um pouco mais confiante que aquilo pudesse dar certo.

De tão imerso, quase esqueci da curiosidade que me acometeu com o sumiço de Lola ao segundo andar. Papá estava distraído brincando de jogar Murilo para cima, mas foi solícito ao me responder por cima das gargalhadas do pequeno que sim, ela havia subido para um dos quartos, e que na verdade morava ali, diferente das demais que só usavam os outros cômodos mediante uma taxa.

A porcentagem que lhes era cobrada em cima dos quartos também era ridícula, eu concluí. Ao invés de enfiar a faca pela comodidade e fazer preço de motel, Papá facilitava, e por isso eles viviam em uma rotatividade sinistra, mas que mal conseguia pagar a faxineira que vinha aos domingos. Coloquei uma anotação em caixa alta na agenda para rever toda aquela dinâmica. Só que Lola não pagava nada por usar seu quarto exclusivamente.

Fiquei ainda mais intrigado, confirmando minhas suspeitas de que havia de fato uma história por trás do relacionamento de cafetão e puta. E já ia enchê-lo de mais perguntas, quando Priscila chegou, em suas muletas desengonçadas, depois de ter levado Murilo para usar o troninho, com ele andando feito um foguetinho à sua frente.

O pequeno veio direto para as minhas pernas e eu achei engraçado que ele se doasse daquela forma para estranhos. O peguei no colo novamente, simpatizando com sua carinha de capeta, e continuei fazendo minhas anotações enquanto ele brincava com os botões da minha camisa, animado.

- Que é você? – Ele perguntou baixinho, e eu assumi que estivesse perguntando meu nome. Não tinha ouvido ele falar de verdade até então, e achei interessante que tivesse poupado suas palavras até ali, ainda mais estando naquela idade em que toda criança era faladeira.

- Meu nome é Matteo. – respondi, e ele me encarou com os grandes olhos expressivos mais uma vez. Repetiu meu nome algumas vezes, falando algo mais parecido com “Madeu”, e aí começou a mexer na minha orelha.

- O que tá fazendo? – Ele perguntou de novo, batendo a palma da mão nas folhas da agenda até eu segurá-las para que ele não rasgasse nada.

- Trabalhando. – respondi, e Murilo se soltou para segurar uma caneta com a mão em punho, pressioná-la no meu braço e rabiscar o nada, porque a ponta não estava aberta.

Virei-me para perguntar a Papá se a criança era sempre invasiva assim, e encontrei ele e sua esposa me olhando com a boca aberta em completo choque. – O que aconteceu?

- Ele... Ele nunca fala com ninguém. – Priscila explicou e eu olhei para baixo vendo o menino confortável com a minha presença.

- Bem, ele acabou de falar comigo. – Dei de ombros, fazendo pouco caso.

- Eu... Já volto. – Papá disse, saindo dali e subindo as escadas com pressa. Não entendi o porquê das poucas palavras de Murilo serem motivo de alarde e menos ainda porque ele parecia ter corrido para contar aquilo à Lola.

O que aquela garota tinha afinal?

- Então, Priscila, o que tem para me contar sobre esse lugar que possa me ajudar a fazê-lo ficar em pé?

Começamos uma conversa animada sobre histórias que já tinham cruzado aquelas portas e vi todo o carinho que ela também empregava às meninas de seu marido. Era como se eles todos fossem realmente uma família, e eu me senti um intruso por alguns minutos, ouvindo seus relatos.

A única pessoa que realmente me fazia sentir parte daquilo tudo estava sentada no meu colo. E, por uns momentos, fui grato à crise de meia-idade de Papá, por tê-lo adotado. Meu pequeno amiguinho pirralho.

[Degustação] BordelOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz