1x14 - Massacre no Engenho Oliveira

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Ocorreu ontem, na Praça Central de Montes Calmos, honrosa homenagem aos mortos na terrível tragédia do Engenho Oliveira, popularmente chamado de Sítio do Picapau Amarelo, por ocasião do aniversário de trinta anos do fato.”

O jornal datava de uma quinta-feira, 12 de Julho de 1917.

Durante a cerimônia, presidida pelo ilustre Prefeito com a presença da digna gente da região, rememorou-se os eventos daquela noite de horrores, bem como a imensa bravura dos homens que deram suas vidas no combate aos trabalhadores amotinados do engenho.”

Pedrinho colocara o jornal de volta no livro dos números. A porta de vidro da estante estava aberta, ao que ele alternava seu olhar entre a página amarelada e a porta do escritório, pronto para pôr o livro no lugar ao menor sinal de Dona Benta.

Têm-se que na noite de 11 de Julho de 1887, negros armados a mando de Joaquim, vulgo Pai da Senzala, atacaram a morada da família Oliveira e assassinaram, a golpes de foice e facão, mais de quinze pessoas que ali se reuniam para jantar. Entre os mortos no ardiloso ataque estava José Manoel de Oliveira, senhor da casa.

O ataque se deu por volta das dez horas da noite. Pegos de surpresa, três dos capatazes morreram pelas mãos dos negros, após o que seus armamentos lhes foram tomados, dando início a intenso tiroteio que seguiu madrugada adentro. Porém seus irmãos de armas, lutando com coragem e zelo, rechaçaram os insurgentes com tiros de espingarda.”

A respiração de Pedrinho seguia o compasso do coração que, acelerado, rapidamente espalhava por seu corpo as geladas gotas de medo que pareceriam brotar em seu sangue. Aquilo poderia explicar tudo. O Sítio do Picapau Amarelo era um lugar assombrado. Algo terrível acontecera ali uma vez, e se o mau pressentimento de Pedrinho não lhe enganava, estava prestes a acontecer de novo.

Presente no evento, a senhora Benta de Oliveira, herdeira de José Manoel e atual proprietária do engenho hoje inativo, emocionou-se durante a oração pelas almas dos mortos no confronto.”

Pedrinho passou os olhos pela notícia outra vez. 11 de Julho de 1887... Menos de cinco meses separavam a noite do massacre do dia em que Dona Benta havia escrito sua página de diário secreta. Imaginá-la uma criança tão feliz, sem saber que em pouco tempo uma tragédia como aquela se abateria sobre sua vida, causou em Pedrinho uma angústia sufocante.

Onde estava Narizinho???

Acabou fechando o livro com mais força do que gostaria. Mesmo assim, ninguém pareceu escutá-lo, de modo que Pedrinho apenas devolveu o volume a estante, tomando mais cuidado ao fechar a porta de vidro. Antes de sair, deu uma rápida olhada ao redor, certificando-se de que não havia deixado sinais de sua presença ali. Pedrinho notou que a gaveta escondida que Dona Benta havia lhe mostrado no dia anterior estava um pouco aberta, mas como a senhorinha havia estado ali a pouco, achou que o melhor que podia fazer era deixá-la do jeito que estava.

- Sabe onde tá a Narizinho? - perguntou Pedrinho ao esbarrar com Néia.

- Não, mas quero muito saber! - respondeu a empregada, irritada. - Aquela peste não fez nada do que pedi pra ela fazer. Mas ela que se cuide. De hoje não escapa de uns bons puxões de orelha!

Já fazia tempo que Pedrinho não se importava com as ameaças vazias de Néia. Assim, simplesmente seguiu para a varanda e sentou-se na escadaria, à espera de Narizinho. Os acontecimentos daquele dia, da conturbada viagem para Montes Calmos ao reencontro com sua professora, do medo nos olhos de Barnabé ao medo que ele próprio sentira lendo a tenebrosa história do que se passara sob o teto da Casa Grande, tudo dava voltas na cabeça de Pedrinho, roubando-lhe a impressão sobre o tempo que passara sentado naqueles degraus.

O SítioWhere stories live. Discover now