1x21 - Benta (Parte II)

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 – Seu nome é bonito. – disse Anastácia.

– Obrigada. – respondeu Emília. – O seu também é. Sabia que Anastácia é nome de princesa?

– O que é princesa?

– Não sabe o que é uma princesa?

A outra balançou a cabeça, envergonhada.

– Princesa é uma menina linda, que vive presa em um castelo, esperando que um príncipe venha resgatá-la das pessoas malvadas e... você não sabe o que é um castelo, não é? – indagou Emília. – Nem o que é um príncipe?

Anastácia arregalou os olhos. Um instante depois, as duas explodiram em uma risada travessa e simultânea. De súbito, Emília tapou a boca, temendo que alguém na casa as acabasse escutando.

– Quer ir brincar? – perguntou ela.

– Brincar de quê?

– Ah, de qualquer coisa. Longe daqui.

Anastácia assentiu. Emília tomou a mão dela e as duas se esgueiraram por entre as árvores nos fundos da Casa Grande, onde os homens de seu pai começavam o trabalho de desmatamento que daria espaço ao futuro cafezal do Engenho Oliveira. Ali, avançaram por cerca de trezentos metros, até encontrarem uma clareira longe o bastante para que pudessem falar à vontade, sem risco de serem pegas.

E como Emília falou, naquele começo de tarde. Falou sobre princesas, príncipes e castelos, narrando para uma estupefata Anastácia os contos de fadas que as babás costumavam lhe contar quando era mais criança. Todos, sem exceção, viam suas princesas de origem sendo substituídas por uma de suas bonecas, cujas aventuras Emília descrevia nos menores detalhes, arrancando de sua "plateia" reações de riso e espanto como se realmente se tratassem de pessoas de verdade.

Particularmente, Emília achava suas versões daquelas histórias clássicas muito mais emocionantes do que as originais. E o semblante fascinado de Anastácia parecia lhe confirmar isso.

Esta fez mais ouvir. Anastácia limitava suas palavras como se Emília pudesse a qualquer momento lhe dar uma bronca, mesmo quando ela tentava trazê-la para dentro de sua fantasia, fazendo com que interpretasse o papel de uma das princesas-bonecas enquanto a própria Emília fazia tanto as vezes de bruxa malvada quanto de príncipe valente.

– Você não gosta de falar muito, não é. – perguntou Emília, no intervalo entre uma história e outra.

Anastácia balançou a cabeça.

– Pode abrir a boca, vai. – insistiu Emília. – Já sei que você não é muda.

A menina deixou escapar um sorriso embaraçado, exibindo dentes cuja brancura impecável contrastava com a pele negra.

– Pois bem? Fala logo!

– Que sinhá quer que eu fale?

– Já disse para não me chamar assim. Meu nome é Emília.

– Desculpa, sinhá.

Emília franziu o cenho.

– Desculpa, Emília.

Emília esforçou-se para sustentar o ar bronqueado, mas não conseguiu. Uma risada travessa acabou lhe escapando pelo canto da boca e contagiou Anastácia, que começou a rir com ela. Em instantes, a clareira foi preenchida pelo som das gargalhadas das duas meninas.

– Você fala na sua casa, pelo menos? - perguntou Emília, enxugando os olhos.

– Eu falava antes. Falo mais não.

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