03 | Invasao de território

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Vivienne Barbieri

Era a mesma garota preta em quem eu tinha me esbarrado. Não a reconheci de imediato, embora fosse impossível ignorar a familiaridade daquele rosto. Minhas lembranças mais cruéis vagaram por minha mente, todos os rostos vis nos quais já tinha botado os olhos em meu antigo mundo em todos os ambientes mais precários e ariscos nos quais eu já pisara.

Por alto, percebi que a segunda luta da noite já tinha começado e que todos ao nosso redor voltaram a se agitar na torcida, mas não me importei. Tudo que existia para mim era eu e aquela garota que, embora eu ainda não tivesse certeza de quem fosse, tinha me conhecido de outros tempos.

— Pensei que estivesse morta, menina — ela soprou após segundos que pareceram se confundir com horas, e eu engoli em seco.

Minha resposta instintiva foi cuspir:

— Não sei quem é você ou do que está falando.

Fiz menção em sair dali, mas ela me agarrou pelo braço. Tinha força. Todos nós daquele mundo tínhamos.

— Eu posso te ver através do aplique caro. Através da pele sedosa e sem manchas de sol, das unhas feitas sem sujeira embaixo e até do botox de merda. Você não me engana.

— Eu nunca te vi na minha vida! — retruquei, desvencilhando meu braço de seu toque, e ela apenas riu.

— E além de tudo, eu estava lá quando isso foi feito, Viv. — Antes que eu lhe desse as costas, ela tocou no fim de minha sobrancelha esquerda, correndo o dedo pela pequena marca rosada. Aquilo me fez travar e arregalar os olhos. Quem...? — Você conseguiu amenizá-la com algum procedimento, mas acho que ela nunca sumirá de fato. As piores cicatrizes nunca desaparecem, no fim.

E então eu localizei uma outra cicatriz em seu pescoço, a mesma que foi tão única em uma pessoa específica. Uma causada também por aquele mundo odiável e atroz. O reconhecimento me atingiu como um soco forte e impiedoso. Em uma fração de segundo, eu pareci tomar a decisão inconsciente de que era inútil continuar mentindo, pois soprei em pura confusão:

— Nathan?

Um canto de seus lábios se ergueu para cima.

— Natália agora.

Semicerrei os olhos, finalmente tendo a certeza de quem estava na minha frente.

— Gostaria de dizer que estou feliz em vê-la, mas isso não seria verdade. Afinal, se você não está morta, há só uma outra opção restante: você nos abandonou. E isso é pior do que a morte, Viviana — ela disse, já mais séria e sem rodeios. Cerrei os dentes com uma força excessiva por um momento, mais tensa do que nunca. Meu coração palpitava com força no peito e minha pele suava frio em toda sua extensão.

— Fiz o que foi o melhor para mim. Você teria feito o mesmo — respondi secamente, fechando as mãos em punho. Eu sempre pensei que nunca teria que encarar aquela parte da minha vida frente a frente outra vez.

— Aos quinze anos? O caralho que eu teria. — Ela se aproximou um passo de mim. — Eu não teria deixado um dos meus. Éramos nós por nós.

— Não tente bancar a justa e boazinha, isso não existia em seu mundo! Sempre foi cada um por si e você sabe muito bem disso.

MagnatasWhere stories live. Discover now