Jane

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Montado em seu cavalo, Robbin permaneceu perplexo enquanto as flechas apontadas para ele começaram a mudar de alvo. Da segurança de sua amurada, a arqueira que se dirigira a ele distribuía ordens aos seus subalternos sem sequer se importar com a comitiva que aguardava a abertura dos portões de seu castelo. A última vez que vira o senhor do norte fora quando a comitiva do pai de Robbin passou por sua casa, se dirigindo à Forres, a capital do Ponente.

Mais tarde, a notícia da morte do senhor Eddrick começou a se espalhar pelas terras, então ela naturalmente começou a esperar por uma visita daquele que seria seu herdeiro, a quem ela presumiu ser Robbin. Ela sabia que ele havia sido alçado à posição de senhor do norte uma vez que  seu irmão mais velho havia desaparecido anos atrás. Sendo filha única, ela não fazia idéia do quão horrível poderia ser perder um irmão ou uma irmã. Ela só podia imaginar. Porém, o que ela nunca imaginou foi ver um nascido nobre tão espantado pelo fato de que uma mulher estava no comando de um castelo.

– Feche a boca ou vai se afogar em sua própria saliva, senhor do norte. – um dos arqueiros caçoou de Robbin.

– Mostre algum respeito, seu imbecil. Ele poderia cortá-lo ao meio com sua espada. – o zombador foi repreendido por um soldado.

– Diga aos guardas para abrir o portão, eu receberei o senhor Robbin no grande salão. – ignorando os comentários ao seu redor, a senhora do castelo ordenou.

Suas donzelas de companhia já estavam à sua espera quando ela desceu da amurada e se dirigiu ao interior da fortificação. Como herdeira de seu pai, ela não podia apresentar-se na frente de um outro senhor vestida como um arqueiro de campanha. O capuz e as botas de couro deram lugar a um vestido acinturado. O cabelo antes preso num coque foi solto e enfeitado com um diadema simples. Aquela, segundo sua mãe, era a vestimenta adequada para uma senhora da família Warwick.

Quando Robbin fora anunciado no grande salão, ela há muito havia ocupado o assento que no passado pertencera a seu pai. A cadeira de madeira em que estava sentada não era páreo para o trono férreo do Ponente, mas uma longa e respeitável linhagem de senhores e senhoras da fronteira haviam estado naquela posição antes. Sua origem familiar remontava à própria criação do reino do Ponente. Mas, ao contrário da família de Robbin, a dela nunca fora agraciada com a governança de uma vasta região como o norte. Ela não precisou se lembrar de ser extremamente cautelosa ao se dirigir a alguém com poder e influência superiores aos seus.

– Devo dizer que é uma honra ser recebido em seu salão, minha senhora. – Robbin se dirigiu a ela.

– O senhor do norte é sempre bem-vindo à casa da minha família. – ela se curvou ligeiramente.

– Essa não foi minha primeira impressão, embora eu deva admitir que estava esperando que fosse o senhor Gavin a me receber. – Robbin se sentou de frente a ela, na cadeira que lhe fora posta no salão.

– Meu pai faleceu, senhor Robbin. Na sua ausência, eu respondo em nome da minha família. – ela se manteve firme mesmo na tristeza.

– Lamento ouvir sobre o senhor Gavin. Minhas sinceras condolências para você e para a senhora sua mãe. – o pesar dele era real.

– E eu lamento pelo senhor seu pai. O senhor Eddrick era um homem de honra. Por favor, envie os meus sentimentos à senhora Caitriona.

Ambos compartilhavam da dor de perder um pai, no entanto, ela estava consciente de que a morte de seu pai não era nada quando comparada a maneira brutal como o pai de Robbin havia morrido. Morrer dormindo poderia ser considerada uma benção, enquanto que ser desonrado e decapitado era uma causa mais do que plausível para começar uma guerra. Ela suspeitava que Robbin estava ali precisamente por essa razão. Antes da morte do rei Frederich, seu pai, o senhor Gavin havia jurado permanecer ao lado do senhor do norte, em quaisquer conflitos por vir.

– Você é muito gentil, minha senhora. E eu espero que me perdoe, mas eu não sei o seu nome. Nossos pais e mães se conheciam, eu, por outro lado... – Robbin enrubesceu.

– Desculpas aceitas, meu senhor. Tenho certeza que passou por muita coisa recentemente. Pode me chamar de Jane. Eu e meus homens estamos à sua disposição, senhor Robbin.

As palavras dela eram autênticas e cordiais. Ela nunca esperara que Robbin soubesse ao menos uma fração do que ela sabia sobre as outras famílias no norte. Ele não fora criado para suceder seu pai. Jane fora. Famílias pequenas e sem importância para o jogo de poder em Ponente como os Warwick não eram obrigadas a seguir a lei do filho mais velho. Seu humilde castelo havia visto muitas senhoras governantes em sua história. A fortaleza de Robbin nunca havia visto nenhuma. Mesmo que Anna, a irmã de Robbin sobrevivesse aos calabouços da rainha e seus irmãos perecessem, ela ainda assim não seria aclamada senhora do norte.

Jane abominava completamente a lei do filho mais velho. Para ela, o caos em Ponente podia ser explicado facilmente pela a falta de discernimento dos homens. Na história do reino, poucas mulheres tiveram a oportunidade de sentar-se no trono. Todavia, aquelas que o haviam feito deixaram uma mensagem clara como a água das terras fluviais para as futuras gerações de senhores e senhoras que aspiravam  um dia usar a coroa: uma rainha nunca começa uma guerra, mas nada pode ficar em seu caminho quando ela decide vencer uma.

Ela acreditava que a rainha Circe conhecia este provérbio popular melhor do que ninguém, já que em sua guerra contra aqueles que ela considerava seus inimigos, nenhum havia se safado para contar a história. Olhando para o rosto suave de Robbin, para seu sorriso amistoso e maneiras afáveis, Jane sentiu uma enorme comiseração por ele. Um menino feito homem, um jovem feito senhor. E era mais do que provável que seu nome estaria na ponta da língua da rainha caso perguntassem a ela quem era o seu maior inimigo.

Ao contrário de muitos homens em Ponente, Robbin parecia digno o suficiente do título de rei. Mas o Ponente, como Jane sabia muito bem, não era uma terra de bons reis. O povo do reino glorificava somente os reis loucos, os reis cruéis, não os honestos. O falecido rei Frederich era uma prova disso. Na sua juventude, ele fora descrito como alto e destemido em batalha, um homem que não gostava de nada mais do que uma guerra. 

Mas os anos como rei haviam cobrado um alto preço ao soberano. Assombrado pelos fantasmas de seu passado, ele tornara-se um bebedor, um homem sem qualquer escrúpulo.  Seu casamento era estritamente político. Sua união com Circe não produzira um único herdeiro do trono, pois eles não tiveram filhos juntos. Sua linhagem e o nome dos Beaufort morrera com ele, uma vez  que os filhos e filhas nascidos de outras mulheres não possuíam qualquer ensejo de reivindicar o direito real. Dessa forma, qualquer pessoa com sangue nobre e um exército forte o suficiente poderia reivindicar o trono. Robbin possuía ambos, mas Jane podia ver em seus olhos que o peso da coroa seria muito para ele carregar sozinho.

– Eu aprecio sua generosidade, senhora Jane. Se me der licença, tenho de enviar uma mensagem à senhora minha mãe. Ela espera por notícias minhas junto aos soldados das outras família do norte. Estou certo em supor que  não se importaria se nós passássemos a noite aqui, não é? – o pedido dele era cortês.

– As portas deste castelo estão abertas para a senhora Caitriona e para você, senhor Robbin. Direi aos criados para preparar os seus aposentos.

Jane o viu caminhar em direção aos seus acompanhantes, que aguardavam seu senhor no pátio do castelo. Em silêncio, ela perguntou a si mesma o que havia feito o jovem Robbin crescer tão rápido: fora o prenúncio da guerra ou peso colocado sobre seus ombros?

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