Circe

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A guerra é mãe e rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros, em homens; de alguns faz escravos, de outros, homens livres.

A cor do luto combinava bem com ela. E ela sempre gostou de vestir preto e vermelho, as cores de sua família. Preto significava a morte, vermelho o sangue. Caso precisasse resumir sua vida até aquele momento em poucas palavras, Circe Lancaster escolheria morte e sangue. As criadas da rainha sussurravam umas às outras que nenhuma mulher deveria viver com tanta escuridão dentro de si mesma. Mas a rainha sabia, ela não era uma mulher comum. 

As pessoas em Ponente chamavam seu pai de Fazedor de Reis, por uma razão. De todos os aliados do rei Frederich, o senhor Lancaster das terras ricas era o mais próximo do monarca e o mais poderoso deles. Mas, curiosamente, ele nunca quis a coroa para si, mesmo sendo mais do que capaz de conquistá-la. Meu querido pai não era nenhum tolo, a mente de Circe vagueou. Tudo que ela conseguia pensar era no quão tolos os nortistas eram para travar uma guerra contra ela. 

Ela possuía tudo. Os exércitos, o ouro, o poder, a fortaleza mais bem guardada em todo o reino. Se insistisse em sua ridícula busca por justiça, Robbin York se tornaria um tolo maior do que seu pai morto. A verdade inconveniente, ela aquiesceu silenciosamente, era que seu reino estava infestado de tolos. Das criadas que a ajudavam a se vestir aos soldados de sua guarda de honra, Circe se via cercada por idiotas. 

Da existência de alguns ela culpava Frederich, o homem hediondo com quem seu pai a fizera se casar. Se a ela houvesse sido dada uma escolha, ela nunca teria casado com o rei. Ela teria se casado com o filho de alguma família menor nas terras ricas, ou não teria se casado. Circe nunca compreendera  porque as mulheres tinham que ter um marido, ter filhos e serem submissas. Ela nunca precisou  de Frederich, nem de nada que viesse dele.

Esse era seu único ressentimento em relação a seu pai. Enquanto sua irmã mais nova pôde escolher seu marido, ela não teve tanta sorte. Marceline se casara com um abastado senhor das terras ricas. Ele tinha três vezes a idade dela e duas vezes mais gordura, o casamento dos dois não resistiu a uma estação. Uma mazela de inverno ceifara a vida do esposo de sua irmã, entretanto, quando a primavera chegou, Marceline e o bebê que ela estava esperando possuíam uma pequena fortuna e ela havia se tornado senhora de um castelo. 

A vida era injusta de fato, ela quase comentou. Mas antes que pudesse fazê-lo, ela ouviu uma batida na porta. Dois homens entraram, semelhantes em tudo. O cabelo dourado, os olhos verdes e as armaduras, brilhando como moedas. Ela os conhecia muito bem. Talvez até melhor do que eles mesmos. Seus irmãos eram gêmeos, um nascido momentos após o outro. Quando bebês, eram a diversão de suas irmãs. Tyge fora uma criança risonha e agitada, enquanto que Tallad era calmo e silencioso.

– Nós lhe trazemos notícias, irmã. – ambos se curvaram diante da rainha.

– Homens inferiores foram decapitados por não se dirigirem adequadamente a mim, irmãos. Talvez devam considerar isso na próxima vez que estiverem em minha presença.

– Imploramos o seu perdão, Sua Majestade. Mas o que temos a dizer é muito importante. – Tyge se adiantou.

– Então digam logo... – as criadas se entreolharam com receio ante a impaciência de Circe.

– Ainda esta manhã, fui informado de que houveram agitações na fronteira entre as terras reais e as terras fluviais nos últimos dias. Eu acredito que é ele, Sua Majestade. – Tallad explicou a situação.

– Quero nomes, Tallad. Não adivinhas no escuro. – ela franziu o cenho.

– Acredito que Bryce Towton é o homem responsável pela perturbações, Sua Majestade. 

– Ele caiu em desgraça depois de renunciar seu direito de primogenitura. Bryce Towton poderia ter se tornado senhor das terras fluviais depois que seu irmão morreu. Em vez disso, ele permitiu que seu sobrinho fracote assumisse o comando. – Circe recordou brevemente o que sabia sobre o homem que chamavam de ovelha negra das terras fluviais.

– Sim, isso é verdade. Edmund é incapaz de governar, mas seu tio não é. Ele é um cavaleiro conhecido em todo o reino. Muitos homens responderiam ao seu chamada... E Sua Majestade não deve esquecer que os Towtons e os Yorks estão ligados pelo casamento. Bryce poderia estar apoiando a campanha de Robbin York, abrindo caminho para ele através das terras fluviais. – Tallad pronunciou cada palavra com extremo cuidado.

– Eddrick York era o verdadeiro senhor do norte e ele está morto, irmão. Seu filho é apenas um menino. – Tyge não parecia preocupado.

– Robbin não é muito mais jovem do que nós, irmão. E pelo que ouvi, ele está reunindo um grande exército. – Tallad foi cauteloso.

Os gêmeos teriam continuado a discutir se não fosse por um gesto da rainha. Levantando-se da cadeira em que estava sentada, Circe silenciosamente dispensou seus irmãos e suas criadas. Sua mente estava pesada com tudo o que havia escutado. Tallad estava certo em se preocupar com Bryce Towton. As terras fluviais ficavam a um passo da fortaleza real. Mesmo se Edmund não apoiasse a cruzada do primo Robbin, ainda assim haveriam homens e mulheres dispostos a permitir que o jovem senhor do norte cruzasse suas terras e se postasse diante das muralhas de Forres.

Felizmente, a rainha tinha uma vantagem. E essa vantagem atendia pelo nome de Anna York. Robbin poderia reunir todo cavaleiro, arqueiro e lanceiro de Ponente. Porém, enquanto sua irmã fosse prisioneira da coroa, Circe ainda possuía poder sobre ele. E, como uma jogadora habilidosa, Circe aprendera a nunca mostrar suas cartas. Ela iria manter a caçula da ninhada dos York viva apenas para que ela pudesse ver seu irmão lutar até o último suspiro tentando salvá-la. 

Contanto que os homens do norte permanecessem sob a vigília do senhor de Inverness, Anna seria poupada. No momento em que pisassem fora de seus domínios, Circe iria cortar a garganta da menina e enviar seu corpo à sua família como um aviso. Ela sorriu ante a possibilidade de finalmente destruir a linhagem dos York. O brasão deles, a rosa branca, seria queimado. Todo o norte então se curvaria perante a rosa vermelha dos Lancaster. 


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