Peter

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Abra suas asas e voe, pequeno pássaro. Era com esse pensamento que Peter Becket acordava pelas manhãs. Membro do pequeno conselho da rainha Circe, ele era conhecido em cada viela escura, em cada taverna e em cada prostíbulo da capital do Ponente como Pássaro. O broche em forma de tordo em sua lapela não era somente uma referência a essa alcunha, mas um símbolo que adotara para si já que sua casa era bastante desprestigiada nas terras fluviais. Os Becket eram tão insignificantes frente aos poderosos Towton, senhores do castelo de Caernarfon, que sequer possuíam uma sede. O pai de Peter, há muito morto, servira em campanhas com o senhor das terras fluviais e de quem recebera permissão para ocupar uma pequena choupana nos arredores do castelo. 

Isso permitira a Peter, o mais velho numa linha de seis filhos e filhas, usufruir das regalias e da vida boa de Caernarfon. O menino franzino e de olhos perspicazes, ao contrário dos irmãos menos afortunados, recebera instrução formal por parte dos escribas e menestréis assim como a prole do senhor Towton. Em verdade, as crianças do suserano e o filho do vassalo haviam crescido muito próximas, compartilhando as mesmas vivências. Peter era tratado tão bem pela criadagem do castelo quanto Caitriona, Lysandra e Edmund Towton. Mas tamanha cortesia acabou cobrando seu preço anos depois, quando um já adulto Peter pediu ao senhor Hosni a mão de Lysandra, a filha que não estava prometida.

Seu pedido fora recebido com zombaria e descaso. Uma coisa era permitir que um menino paupérrimo, um filho de ninguém, aprendesse a se portar na presença de seus senhores. Outra coisa era permitir que esse mesmo filho de ninguém desposasse alguém de sangue nobre. O senhor das terras fluviais apontara sua espada para ele. Edmund Towton, no auge de sua juventude, lhe indagara quem ele pensara que era para pretender se casar com sua irmã. A própria Lysandra, dona de seu coração, o dispensara, dizendo que o via apenas como um irmão mais novo. E Caitriona, sempre tão gentil, não dissera uma só palavra. Humilhado, ele deixou Caernafon e as terras fluviais para nunca mais voltar.

Tão logo se instalara na capital do reino, Peter tratou de construir para si uma reputação que ninguém jamais ousaria questionar. Usando de toda a sua perspicácia e talento com moedas, ele se alçara ao posto de mestre das finanças sob o comando do rei Frederich. Se aproveitando dos vícios e outros hábitos escusos dos senhores que circundavam o monarca, ele conseguira dinheiro o bastante para financiar seus planos. Diversos estabelecimentos pertencentes a nobres que estavam afundados em dívidas passaram a pertencer a Peter, que os fez prosperar. Ele próprio era um homem que se mantinha afastado dos costumes nocivos dos poderosos. Raramente bebia, não se envolvia com jogos e apostas, não se deitava nem com rufiões e nem com meretrizes. 

Sua verdadeira compulsão se tornara o poder. Mas não o tipo de poder como da rainha Circe ou do finado rei Frederich. Tampouco o tipo de poder concedido a cavaleiros e outros membros do exército real. Peter não desejava a coroa, nem em seus mais absurdos sonhos. Logicamente que ele não iria a recusar caso a mesma caísse em seu colo. Porém, o tipo de poder que ele almejava era a influência. Um homem que não é capaz de usar aqueles ao seu redor não passa de um mero saco de carne e ossos. Aquela era uma lição que ele aprendera ainda moço, recém chegado a Forres. A pessoa que o ensinara tudo o que sabia era ninguém menos que o senhor Lancaster, mestre das finanças antes de Peter. Se existia alguém astuto na terra do Ponente, esse alguém era o senhor das terras ricas. 

Sob sua fortaleza em Cawdor, as línguas do reino diziam que existia uma mina de ouro, fonte de toda a riqueza dos Lancaster. Peter nunca questionara o senhor e ele tampouco mencionara qualquer coisa a respeito. Todavia, o Pássaro nunca deixara de suspeitar que havia de fato jazidas de ouro e pedras cujos  rendimentos não constavam nos livros da coroa e que seu preceptor não mencionava ao rei quando o pequeno conselho se reunia. Somente isso poderia explicar a solicitude com a qual o velho mestre atendia os caprichos de guerra do tresvariado governante do Ponente. Quantas vezes Peter não fora testemunha dos vultosos empréstimos concedidos pelo sogro anoso ao genro soberano que desejava organizar torneios grandiosos ou partir pelas terras do reino em cruzadas inúteis. Felizmente,  tanto o senhor Lancaster quanto Frederich Beaufort haviam morrido antes de empreenderem sua última expedição: subjugar os insatisfeitos Gueldres, a família governante do arquipélago a oeste de Ponente.

Só Peter sabia que tal movimento no jogo das conquistas de Ponente custaria bem mais do que o que o rei possuía em seus cofres e ele suspeitava que a rainha Circe em breve iria descobrir que se para se manter no trono, ela teria de recorrer à boa vontade de alguém mais abastado que ela. O dote de casamento pago por seu pai fora gasto com bebedeiras e prostitutas, sem dúvida. Havia uma pequena chance de seus irmãos concordarem em dividir com ela a herança deixada pelo velho senhor, só que isso não era garantido. Sorrindo internamente, Peter sabia que, caso os Lancaster de Cawdor decidissem deixar a irmã rainha de fora da partilha de suas riquezas, só havia uma pessoa com recursos suficientes em toda a terra do Ponente para quem ela poderia apelar: ele mesmo.

– Quem diria que Peter Becket um dia seria o esteio da monarquia de Ponente? – ele comentou consigo mesmo, na quietude de seus aposentos na fortaleza real. 

Seu desjejum ainda estava sobre a mesa quando um jovem mensageiro bateu à porta e lhe entregou um envelope selado. Antes mesmo de romper o lacre de cera, ele já sabia o teor do texto que lhe fora enviado assim como conhecia bem a pessoa que o enviara. Anos atrás, ele teria dado tudo que tinha para ouvir uma palavra que fosse de Caitriona Towton. Mas ela nada fizera para impedir que seu pai e irmãos o escorraçassem de Caernafon. E agora vinha lhe pedir ajudar. Peter pensou no quão irônica era a vida e em como tudo de indigno que é feito a uma pessoa retorna para aquele ou aquela que o fez.

– Me parece que as marés subiram, não é mesmo? – Peter sorriu de orelha a orelha enquanto lia a mensagem de Caitriona York.

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⏰ Última atualização: Sep 02, 2016 ⏰

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