Caitriona

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Mãe, ouça meu apelo por misericórdia. Minhas crianças são puras, desconhecem a discórdia...

Em sua juventude, a filha mais velha do senhor Hosni gostava de brincar com seus irmãos sobre os reis e rainhas do passado. Ela seria sempre uma rainha destemida, enquanto sua irmã e irmão faziam as vezes de princesa e príncipe de terras distantes. Crescer nas terras fluviais foi uma bênção, pensou Caitriona. Uma bênção que não recaíra sobre nenhum dos seus três filhos, nascidos em uma terra fria e um tanto inóspita. Eventualmente, ela se acomodou à vida no norte, com Eddrick York e seus cavalos da neve. Seu nome Towton havia sido deixado para trás. Ela havia se tornado a senhora York.

Mais tarde, ela se tornara mãe de John, de Robbin e de Anna. No entanto, mesmo se parecendo com seu pai, John ainda se assemelhava à família de Caitriona. Sob os cabelos e olhos escuros , ele ainda era tão ligado a seus deveres como um Towton. Mas era Robbin quem a lembrava de seu pai. Seu cabelo era mais claro, de uma cor como o fogo. Seu temperamento era igual ao dela, calmo porém resoluto. Anna, a mais jovem, era um espírito livre. Um bebê risonho e corado que crescera e se tornara uma menina esperta e observadora.

E naquele momento, refletindo sobre seu passado, Caitriona sentiu tristeza. Seu marido estava morto, seu primeiro filho estava desaparecido, seu segundo filho se preparava para uma guerra e sua filha estava sendo mantida prisioneira numa masmorra. Ela olhou para o céu crepuscular de Ponente e fez uma oração silenciosa aos deuses de seus ancestrais. Ela pediu misericórdia, se não para si, mas para os seus filhos. Eles eram crianças inocentes, não mais do que isso.

– Minha senhora, o senhor Robbin voltou. – um dos vassalos de seu filho a informou.

Caitriona respirou fundo e se preparou para ouvir más notícias, mas o sorriso no rosto de Robbin a fez se acalmar. Ela vinha acompanhando a campanha dele no norte desde que a carta da capital chegara. Ela estivera o observando de perto, aconselhando-o, cuidando dele. A única coisa que ela não havia feito fora revelar para Robbin suas verdadeiras intenções. Como poderia? Ele era apenas um menino, arrastado para um jogo que nunca soube como jogar. Ela, no entanto, sabia exatamente o que fazer para ter sua filha de volta. E tudo iria começar naquele exato lugar.

– Mãe, o castelo é nosso! – Robbin exclamou com alegria.

– Eu sabia que o senhor Gavin abriria as portas para você, meu filho. – Caitriona sorriu.

– Mas não foi o senhor Gavin quem abriu as portas. O castelo tem uma senhora agora, sua filha Jane. 

Robbin desmontou do seu cavalo e tirou a capa de viagem. A notícia do falecimento do senhor Gavin não o havia balançado tanto quanto o que quer que a tal senhora Jane houvesse lhe dito, Caitriona percebeu. Uma senhora no comando de sua família, aquilo era algo que Caitriona apreciava. Ela também seria a senhora Towton se sua família não dominasse as terras fluviais. Após a morte de seu pai e de seu marido, tudo o que ela possuía era seu nome de solteira. Mas a lei de Ponente era absoluta. O primogênito de cada grande família assumiria o lugar de pai e assim seria feito, da criação do reino até o fim dos tempos.

– E a senhora Jane lhe entregou o castelo voluntariamente? Essa seria a primeira vez.

– Ela tentou atirar em mim com suas flechas, mas isso está no passado agora. – Robbin riu da inquietação de sua mãe.

– Não seja tão rápido em delegar as coisas ao passado, meu filho. Eu conheci o senhor Gavin e sua esposa, mas sua filha parece-me um enigma. Seria prudente ter cuidado com ela.

– Eu sou prudente, mãe. Não há nada para se preocupar, a senhora Jane não é uma ameaça. Na verdade, ela nos permitiu passar a noite no castelo. Direi aos homens para erguer o acampamento próximo aos portões. Queira se preparar, mãe. Nós estamos partindo para o castelo.

Robbin distanciou-se para transmitir aos soldados suas ordens e Caitriona suspirou em aceitação. A rendição do castelo fora inesperada, mas felizmente não houve necessidade de se fazer uso de espadas e lanças. Suas preocupações começaram a perder terreno para a sua curiosidade. Quando Robbin mencionou Jane Warwick e sua amabilidade, ela notou o arrebatamento em sua voz, o enlevo em seus olhos. Ela se perguntou se John teria se sentido da mesma maneira. Ou mesmo Eddrick. Ela tentou imaginar como Jane Warwick seria a partir das memórias de seu pai e mãe. Mas nada lhe veio à mente. A menina era provavelmente da idade de Robbin ou John. E tudo que Caitriona podia esperar era que ela fosse inteligente e de mente aberta como seu pai.

Ela não disse uma só palavra durante a curta travessia entre sua tenda e o pátio do castelo. Caitriona se lembrou das paredes em seu entorno assim que pôs os pés nos domínios dos Warwick. Aquele lugar não havia mudado nada desde sua última visita, há quase vinte anos. A ocasião fora o casamento do irmão mais novo do senhor Gavin. Ela não lembrava dos nomes da noiva e do noivo, apenas de seu trágico fim. Ambos se afogaram no mar de Ponente, uma semana após o casamento. 

As tochas nas paredes estavam acessas como na noite da celebração do matrimônio, mas ao invés de encontrar coroas de flores, música e dança, a senhora Caitriona somente encontrou uma moça no grande salão, sentada na cadeira de comando e ao seu lado, a senhora viúva, sua mãe. Jane possuía o cabelo escuro de seu pai e os olhos inteligentes de sua mãe Sabine. O que Caitriona sabia sobre Sabine não era muito, apenas que o irmão desta servira durante anos como mestre de espiões nas terras reais e que a maioria de seus primos faziam suas vidas como mercadores e corsários. Ela não possuía sobrenome de família, mas o rico dote concedido por seu pai garantira o casamento com o senhor Gavin Warwick.

– Bem-vinda a Ravenspurn, senhora York. Temo que nosso castelo não esteja aos pés da fortaleza de Inverness, mas a nossa casa é sua casa. – Jane se levantou e se curvou ante o senhor do norte e sua mãe.

– Vê, mãe? Eu lhe disse que não precisava se preocupar. – Robbin murmurou com um meio sorriso.

– Estou sem palavras para agradecer a sua acolhida, senhora Warwick. Eu entendo que está enfrentando um período de luto, por isso não desejávamos nos intrometer. – Caitriona ignorou o gracejo do filho e agradeceu a anfitriã.

– Mas deve haver algo de muito importante para trazer o próprio senhor do norte à nossa humilde porta... – a senhora Sabine se manifestou.

Lá estava ela, pensou Caitriona. Sabine, a raposa inteligente era como o senhor Gavin costumava chamar a esposa. Ela tivera sorte ou fora inteligente o suficiente para sobreviver a seu marido, e Caitriona tinha certeza que ela deveria ter descoberto seu plano para resgatar Anna ou talvez parte dele, mas era preciso continuar dançando conforme a música. Não era apenas a segurança de sua pequena Anna que estava em risco, como também a própria sobrevivência de sua família e o nome dos York.

 Um novo amanhecerOù les histoires vivent. Découvrez maintenant