7: Lidia

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Campinas, 2014

Quando eu tinha doze anos meu mundo virou do avesso, eu já sabia que fora das paredes coloridas do orfanato onde minha mãe era diretora o mundo estava em caos por causa da Ditadura Militar, mas sempre acreditei que ali dentro tudo fosse perfeito e veio a vida e cabum, explodiu minha bolha de perfeição.

O pai que eu idolatrava tinha outra familia e estava nos abandonando para ir viver com eles.

Foi chorando o abandono de meu pai e me perguntando o que eu havia feito de errado que duas importantes coisas aconteceram na minha vida, a minha amizade com Valen - uma das muitas órfãs da Ditadura - ganhou um juramento de amizade eterna e a incredulidade em casamentos.

Por pura ironia do destino, eu que sempre jurei nunca me casar ou mesmo amar encontrei entre cervejas e discussões acaloradas sobre o futuro do nosso país Osvaldo Meirelles, professor de filosofia aficionado por Star Wars e bolos que me mostrou que não era só porque o casamento dos meus pais havia dado errado que o de todo mundo daria, assim acabei aceitando seu pedido de casamento, que se tornou a base de toda a minha vida feliz, e se não fosse meu casamento eu teria enlouquecido após a morte de Lolla.

Pensar em Lolla me causa uma enorme tristeza.

Me sinto ainda pior porque eu sabia que havia algo de errado, porém acreditei que era apenas uma fase, que se lhe desse espaço ela passaria e minha filha voltaria a ser a menina cheia de vida e hiperativa de sempre, contudo não passou e eu me sinto culpada por negligência, talvez se eu a tivesse forçado a falar o que estava errado ela ainda estivesse aqui.

Todos nós estamos sofrendo a morte prematura de Lolla, porém ninguém tem sofrido mais que Rebeka.

Ter encontrado Lolla e te-la visto morrer esperando o SAMU que chegou tarde demais não foi apenas traumático, transformou a brilhante menina com ideias modernas como o feminismo em uma casca vazia, sem forças até para vestir uma das suas muitas camisetas com frases instigantes.

Vimos o colorido virar cinza, os discursos virar palavras monossilábicas, Rebeka se transformou no que Lia chama de robô programado para dormir, acordar, estudar ou trabalhar - ou ambos - comer e dormir, porém eu errei uma vez, não vou errar com ela também, estamos pagando um preço alto demais pelo minha negligência com Lolla.

- Você não vai deixar de estudar para ficar o dia todo no quarto, Rebeka. - Digo entrando no seu quarto tão vazio que nem parece ter uma dona.

- Eu não estou deixando de estudar tia, apenas não vou essa semama pra aula, é trote e eu não estou afim de participar. - Fala sem nem mesmo tirar os olhos da tela do notebook.

-Você pretende ir e vir de São Paulo todos os dias? É isso? Porque não a vi falar de nenhum...

- Aluguei uma kitnet mobiliada a dois quarteirões do campus. - Ela me encara. - E antes que a senhora pergunte, eu já entrei em contato com uma psicóloga e começo a passar com ela daqui duas semanas. - Me aproximo da cama com a intenção de sentar, mas ao ver a tristeza em seus olhos a abraço e ficamos em silencio por vários minutos até ela quebrá-lo. - Eu estou tentando seguir em frente, tia Lidia, mas é difícil e as vezes parece tão errado.

- Ah, querida, ela não iria querer que nós ficassemos paradas apenas vendo o tempo passar, ficaria...

- Lolla ficaria furiosa se não seguíssemos em frente. - Ela sussurra.

- Exatamente. - Beijo sua cabeça e tento lhe dizer algo reconfortante, mas infelizmente as palavras de consolo sumiram da minha mente quando enterrei Lolla em vinte e um de dezembro.

Os dias passam, Rebeka inicia o curso de economia na USP e algumas semanas depois nos surpreende com a escritura da casa que alugamos em Campinas.

- Eu sei que vocês não pretendem voltar a Aliança e o tratamento da vó Verônica tem sido caro e eu tenho esse monte de dinheiro que não tenho ideia do que fazer, aí pensei, porque não compro a casa? O aluguel será uma despesa a menos. - Valdo está paralisado a encarando, já foi difícil ele aceitar que Peter comprasse uma casa maior quando Rebeka veio morar conosco, imagina aceitar esta de presente - Por favor, alguém fala alguma coisa. - Rebeka parece nervosa, Bruno segura a sua mão sorrindo ainda mais.

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⏰ Last updated: Mar 17 ⏰

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Instantes [CONCLUÍDA - Lolla&Rebeka]Where stories live. Discover now