Capítulo I - Origem

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Eu não sabia como conseguia força para resistir. Eu não sentia mais a queimação das minhas pernas devido a corrida intensa, nem ao menos o calor do fogo que alastrava as nossas casas. Eu só sabia que devia fugir o mais depressa possível. Corria sem ao menos olhar para trás. Um vacilo meu e eles me pegariam, eu precisava ser rápida.

Minha respiração estava ofegante e meu coração saltitava em um ritmo intenso. Escondi-me atrás de uns destroços, quando parei de escutar a voz do homem que me perseguia. Eu ouvia ao longe os gritos das mulheres e o choro das criancinhas. Era um cenário de terror que eu não me esqueceria. Fechei os olhos e lembrei-me dos momentos que vivi horas antes.

Meus pais me abraçavam dentro do quarto, estávamos escondidos em meio ao ataque da aldeia. Minha mãe e eu chorávamos, enquanto meu pai tentava nos consolar dizendo que tudo ficaria bem. Mero engano.

Sons fortes de socos ecoaram na porta da nossa casa. Eles haviam chegado. Meu pai mandou que ficássemos em silêncio. Eu segurava os soluços de choro que queriam sair pela minha garganta, mordi meus lábios com força tentando me controlar.

― Fiquem aqui. Eu vou despistá-los. Não saiam de maneira alguma, estão me entendendo? – meu pai disse firme, olhando para minha mãe e eu, antes de levantar-se e sair do quarto.

Queria ter dito para ele ficar, mas não houve tempo. Mal piscamos e ele já não estava mais lá, em contrapartida, os barulhos do arrombamento da porta estavam mais fortes.

― Onde estão os outros? – ouvi a voz de um homem gritar logo após o som de uma pequena explosão.

― Não tem mais ninguém aqui! – escutei meu pai responder.

― Mentiroso!

― Eu juro... – a voz do meu pai saiu espremida.

Meu corpo inteiro tremia. O medo alastrava as minhas entranhas conduzindo todo o meu ser.

― Helena, esconda-se debaixo da cama – minha mãe sussurrou.

Estávamos no meu quarto, minha cama era estreita e baixa. Jamais caberíamos nós duas.

― E você? – perguntei baixinho, ainda com minhas mãos em volta do meu corpo.

― Não se preocupe comigo. Vá, Helena, é uma ordem – falou, empurrando-me rapidamente.

Enfiei-me embaixo do móvel, misturando-me a poeira do local. As lágrimas caíam desesperadamente, mas eu me esforçava para não fazer barulho e colocar tudo a perder.

― Quando tudo estiver limpo, fuja, Helena. Fuja sem olhar para trás – ela disse, olhando no fundo dos meus olhos. Em seguida, levantou-se e caminhou até a porta.

No mesmo instante, os soldados entravam puxando o meu pai pelos cabelos. Sua camisa estava ensopada de sangue, assim como o seu nariz. Minha mãe deu um grito ao vê-lo naquele estado e começou a chorar desesperada.

― Ora, ora, olha quem está aqui. Eu sabia que devia ter mais gente. Sua mulher é bem bonita, sabia? – disso o soldado que o arrastava.

― Pare com isso, não temos tempo. Mate eles e ponha fogo em tudo! – o soldado ao lado o advertiu.

― Você sempre estraga a brincadeira – resmungou, chateado.

Logo em seguida, o soldado empunhou a espada e, com agilidade, passou pelo pescoço do meu pai, descolando a sua cabeça do corpo em um só golpe.

Mordi a minha mão, desesperada, tentando conter o meu grito. Para minha sorte, a voz da minha mãe tomou conta do quarto, em pânico. Ela chorava compulsivamente sobre o corpo do meu pai. A voz dela provavelmente havia abafado a minha. Eu queria sair dali, queria fazer alguma coisa, mas não podia. Fechei os olhos, tentando conter o pânico, não sentia o meu corpo, estava desfalecida. Abri-os de novo e olhei para o lado, bem a tempo de ver o soldado cravar a sua espada nas costas da minha mãe, que ainda estava debruçada sobre o meu pai. Seu corpo caiu por cima do dele e ela ofegava, aos poucos, sentindo a morte chegar para si. Seu rosto estava virado para o meu, ela via as minhas lágrimas e a vontade de gritar que me sobrevinha. Enquanto minha visão embaçava-se, pude assistir o seu último suspiro.

HelenaWhere stories live. Discover now