01 ( nova versão)

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"Cuidado, o amor pode te matar..."

Kenzie Red

  Minha cara deve estar péssima, todos que passam por mim no trabalho me olham estranho,a pena que sentiam antes passou depois dos meus surtos. Meu cabelo está só o bagaço, nem me preocupo mais em pentealos só prendo de qualquer jeito mesmo. As roupas amassadas e as olheiras não devem ajudar em nada também . Pudera né, não tinha notícias de Kyel a três meses e desde então apenas cochilo, as duas únicas vezes que dormi a noite toda, foi depois de desmaiar no meio da delegacia e os policiais, – que a essa altura já nos conhecemos por nome –, me levaram para o hospital e lá fui medicada.

Essa não era a primeira vez que meu irmão aprontava, porém nada como isso. Ele nunca tinha se dado muito bem com autoridades, pintava e bordava no bairro que crescemos; invasão de propriedade, destruição de patrimônio público, vandalismo e uma vez mesmo, tive que pagar sua fiança depois de espancar um garoto. Mas desaparecer? Nunca, Kyel me conhecia bem e jamais faria isso comigo.

Eu já tinha procurado em cada viela,vala e beco dessa cidade e das duas mais próximas e nada. Ninguém viu ou ouviu falar dele, na faculdade e com os amigos a mesma coisa. Estou em um eterno estado de torpor, a fase do desespero passou a duas semanas, os gritos também. Depois dos policiais o darem como morto, forcei na minha cabeça que tinha que me manter focada para acha-lo. Nem que fosse no inferno...

O celular vibra e grita no bolso de trás da minha calça, minhas mãos trêmulas quase não conseguem segurar a pilha de pratos pelo caminho até a pia. Quando chego, os coloco com tanta presa e descuidado que os dois últimos se chocam duros contra o mármore e se partem.  Puxo o aparelho até o ouvido sem me dar ao trabalho de indentificar o nome no visor;

—  Alô

—Kenzie? Kenzie Red?

—Sim, sou eu. Quem é?

— Oi, é a Felícia .Te conheci quando veio até a faculdade semana passada procurando seu irmão.

— Ah sim...

— Então Kenzie, você pediu para ligar caso alguém soubesse algo sobre ele...

—  Meu Deus!Você sabe onde ele está?

— Sim Kenzie. Mas olha,você não vai gostar ...

  Depois  de anotar as informações que Felícia me passou e de agradecê-la- pela vigésima vez, corro em direção aos armários para pegar minha bolsa. Nem de roupa trocaria, iria abandonar o serviço no meio do expediente. Meu patrão vai ficar uma fera? Com toda a certeza! Eu perderia meu emprego? Provavelmente. Mas isso não me importava no momento,claro que eu precisava muito da grana, estava dormindo no carro a quase um mês – gastei cada centavo nas buscas depois da polícia dar o caso por encerrado –, porém meu irmãozinho estava acima de qualquer coisa. Estava acima de mim também e vem sendo assim por um longo , longo tempo...

Passado

— Eu tô com fome, Keen. — Os olhinhos de Kyel brilham com lágrimas e eu forço as minhas garganta a baixo. Também estava faminta, minhas poucas refeições tinham sido divididas com ele. Meu irmão estava em fase de crescimento e só a sua porção não bastava. Vê-lo chorar faz doer  o peito mais do que o estômago. Papai recebeu o pagamento da semana e voltaria a noite bêbado, então eu tinha pouco tempo para arrumar alguma coisa para ele comer e então colocá-lo na cama, sabia bem o que aconteceria quando o monstro chegasse.

Depois de comer a omelete que fiz com os três ovos que a vizinha deu, o ajudei a se preparar para dormir. Não comi, mas também não importava. Comeria amanhã, se desse. Ajeitei seu corpinho embaixo das cobertas e peguei seu livrinho de história preferido. Cansado demais para continuar a lutar com o sono fechou os olhinhos e dormiu agarrado firmemente ao meu corpo. Sorri sozinha, Kyel é mais do que o amor da minha vida. Ele é a minha vida toda...

Viajei olhando o nada, e quando dei por mim as horas tinham passado e lá fora estava escuro. O barulho dos tropeços bêbados  dele me fizeram pular da pequena cama no nosso minúsculo quarto  daquele velho e enferrujado trailer. Tudo range e treme enquanto ele se arrasta para dentro, o monstro em nada é silencioso, ele gosta do terror em sabermos que infelizmente tinha voltado. O medo nos nossos rostos o alimentam.

— Não vai irmã, por favor! — Kyel desperta em meio ao som de coisas se quebrando e se agarra forte em mim. Assustado sabe que estou indo lá para fora. E ambos sabemos o que vai acontecer comigo pelos próximos minutos, ou até ele se cansar.

— Eu já voltou, querido. Prometo.

— Promete que não vai me abandonar?

— Nunca!

E me afasto indo em direção ao inferno. O olho uma última vez antes de trancar a porta atrás de mim, me lembrando o porquê de fazer tudo o que faço. Nem bem guardo a chave no sapato e um soco forte me derruba contra a porta. Ele me soca, chuta e grita ofensas pesadas demais para uma menina de apenas 14 anos. Esse nojento é meu pai, temos o mesmo sangue ,esse que ele tira de mim com pancadas, mas nem isso o faz parar . Talvez hoje ele finalmente me mate e acabe logo com essa miséria que venho vivendo desde que mamãe fora levada para longe de nós. Mas assim que imagino o alívio que seria a paz do eterno nada, sem fome ou dor, me arrependo. Não posso deixar Kyel sozinho com esse tormento ao qual carregamos ambos o sobrenome.

É por ele que me levanto ainda que minhas pernas magras e machucadas mal aguentem manter o peso de meu corpo. Por aquele menininho especial  aguento todos os tapas na cara e os murros na minha barriga vazia. Em pé, firme. Sou um escudo, porque se ele passar por mim, chegará ao que tranquei atrás dessa porta. Chegará ao que tenho de mais precioso na vida: Kyel...

Soldiers MC - Soldado Sem AlmaTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang