Por um Pouco de Paz de Espírito

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A brisa salgada do oceano enchia seus pulmões de liberdade, como uma bacia de água de banho para uma senhora mais favorecida, cujo corpo nu sente na pele a delícia de rosas na água. Aemon sentia o alívio do sal na pele, o frescor de vento no rosto e a paz que, por mais que fosse almejada há anos, era plena quando estava no mar, admirando a imensidão da distância.

Aemon Seaford chamou um dos membros da tripulação para tomar o controle do timão da embarcação e andou pela escadinha que descia ao convés, indo na direção da sala do capitão. Abriu a porta com certo cuidado e chamou:

— Joss, preciso conversar com você.

Josslyn Cabeça de Neve o olhou, sua cabeleira branca caindo sobre o rosto numa brancura ofuscante. O homem escrevia algo quando Aemon o chamou, parando para receber o amigo.

— Acabamos de falar sobre a tripulação e estou fazendo as contas dos nossos ganhos, para quando desembarcarmos em Cauda de Sereia, consigamos negociar a exportação dos materiais. Ainda há alguma dúvida, meu amigo?

O pirata suspirou, pois afinal ele era um pirata desde que se conhecia por gente.

— Acho que já te falei sobre meu desejo de largar essa vida, né, Josslyn? Olhei para o Grande Mar e senti saudades de casa.

Joss levantou uma das sobrancelhas brancas e finalmente deixou de lado os papéis que rascunhava. Josslyn Cabeça de Neve era um senhor, se comparado a Aemon, mas possuía um vigor de colocar muitos varões a vergonha da idade. Sua pose altiva era impecável enquanto andava pela sua sala do navio, refletindo nas palavras do amigo.

Eles estavam voltando à Cauda de Sereia depois de saquear, a mando da Rainha Vissosse X, o Forte Esmeralda, fortaleza estratégica do reino vizinho, Wikah, e que era cheia de riquezas retiradas do saque e dos impostos. Na verdade, ao realizar esse saque, Aemon mesmo se sentia vingado pelas pessoas que foram roubadas para que aquele ouro estivesse ali. Ladrão que rouba ladrão era comumente perdoado pelos deuses.

— Nós jamais tivemos a oportunidade de falar sobre isso, Joss. — Aemon continuou. — Toda vez que eu menciono para você a possibilidade de começar a ter uma vida mais tranquila, você se esquiva ficando em silêncio ou andando pela sala, como faz todas as vezes.

— Você não precisa da minha orientação, Aemon! — Josslyn finalmente explodiu. — Você não é mais uma criança, pode fazer o que bem entender da sua vida. Se ainda está aqui, mesmo com as suas reclamações ano após ano, é porque você sabe que gosta de ser um contrabandista.

Aemon se encolheu e depois levantou-se, passando a mão no rosto e no cabelo rajado de branco.

— Se eu ainda estou aqui é por você e porque me preocupo contigo, seu jumento.

Era a primeira vez, pelo visto, que os dois falavam abertamente sobre a desistência de Aemon da vida pirata. Sempre existiu uma aura pesada sobre a possibilidade do assunto. Ambos nunca foram de ficar muitos dias em suas casas junto de suas esposas, suas vidas eram construídas do mar, pelo mar e sobre o mar. Aemon via uma saída para aquilo tudo, mas não Josslyn.

Quando ainda era uma criança perdida no continente, em busca de abrigo e sobrevivência, logo após ao ataque dos piratas, Aemon se viu afanando carteiras em Cauda de Sereia, a Grande Pérola do Leste. A cidade branca e brilhante sob a luz do sol nascente, rica em metais, onde abrigava a nata da sociedade cosmopolita do Império Vantilieno e era sede de poder da Família Vissosse.

Porém, com a Guerra dos Senhores do Leste e o ataque em massa à cidadela, Aemon quase não sobreviveu; e a Mulher da Rosa o acompanhava. O garoto se viu correndo pela cidade, fugindo de soldados e condutores que assassinavam uns aos outros, as pessoas e até os animais. Não eram poucas as vezes que o garoto viu vacas e bois voando como se fossem folhas ao vento, caindo sobre casas e pessoas diversas, destruindo tudo pela frente; enquanto a Mulher da Rosa corria, sorria e chorava nas mais diversas aparições.

A Mulher da Tatuagem de RosaWhere stories live. Discover now