Sementes

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As brasas da grande fogueira ainda ardiam ao ar tépido do crepúsculo. Por todos os cantos do Bosque de Aessina, pequenas luzes peroladas se abriam para as estrelas: os elfos noturnos despertavam da longa noite de Aestann. As tintas rubras que antes cobriam o corpo de Lahal Lunapluma agora estavam espalhadas pela pele desnuda de Mayan Negraugúrio. Ele não pode deixar de sorrir ao afastar de seu rosto uma das muitas folhas que se emaranhavam em seu belo cabelo prateado, que, exceto por algumas finas tranças arrematadas com penas, fora deixado solto, como era de costume durante aqueles festejos.

E o sorriso insistia em tomar os lábios do jovem druida. Era inevitável, como aquele calor no peito, aquele contentamento que chegava a doer quando lembrava que finalmente estivera com ela. Mais que isso: eles haviam se unido sob a lua de Aestann, como Eluna e Malorne, com a bênção da própria Natureza. É claro, muitos outros haviam sacramentado o antigo ritual naquela noite, como se fazia desde que o primeiro elfo viu a imagem da Deusa na Nascente da Eternidade. Sim, era verdade que nem todos aqueles casais estavam destinados a ligarem-se por mais que aquela noite, mas ele sabia que seu coração havia escolhido Mayan para amar. Seus mestres diriam que ele estava errado, é claro. Não se toma esse tipo de decisão em uma noite. Mas ninguém decide quem amar. Não... O próprio Shan'do Tempesfúria poderia dizer isso, se estivesse acordado.

De qualquer maneira, as sentinelas batedoras partiriam naquela noite para o sul e ele teria meses para pensar sobre o assunto. Seu estômago contorceu-se inquieto a essa lembrança. Pensar e sofrer. Separar-se da mulher que amava agora que ela finalmente fora sua.

O rosto do druida parecia distante e, de certa forma, preocupado quando Mayan abriu os olhos. Sem que ela percebesse, seus lábios se abriram num sorriso sincero à vista do queixo forte, do nariz aquilino e do brilho dourado dos olhos de Lahal. Ele tinha a marca do Chamado da Natureza. Ela sabia que não significava nada tê-lo consigo naquele momento. Sabia que esse mesmo Chamado era o que os unira, como unira todos os outros elfos que agora acordavam no bosque, começando a por em ordem os eventos da noite anterior. A Natureza não escolhia indivíduos, ela unia as sagradas forças complementares. Quer ele fosse o próprio Cenarius ou a mais tola das criaturas, naquela noite ele era apenas homem e ela, fosse quem fosse, era apenas mulher. A despeito disso, Mayan se sentia honrada em ter um dos Druidas do Gadanho em seu seio. Era uma leve e muito, muito vã vaidadezinha. Ele era jovem e belo, no auge de suas forças e, acima de tudo, extremamente sagaz. Lahal Lunapluma fora escolhido pelo próprio Omnuron para o grupo de inteligência do Círculo Cenariano. Eles eram poucos que, por seu trabalho estratégico, protegiam a vida de muitos.

A tinta negra que adornara seu corpo agora estava misturada à vermelha no corpo dele. Seus cabelos, do azul profundo do horizonte noturno, conservavam pouco da longa trança em que haviam sido presos na noite anterior. Ela não saberia dizer por quanto tempo deixou-se devanear, perdida em cada detalhe daquele torso: a rede de finas cicatrizes que lhe iam do pescoço ao ombro direito, marcando a pele de um lavanda escuro e bastante azulado. Ele mantinha a barba rente nas laterais, deixando um certo comprimento apenas no queixo. Naquela noite ele havia trançado algumas contas de ossos para adorná-la. A sentinela sabia que isso não era seu costume, pois não havia deixado de observar-lhe antes. Ele trazia vários brincos de penas nas orelhas e uma fina tira de couro com um crescente em prata ao pescoço. Em ambos os braços, no vão entre o deltóide e o bíceps, tinha braceletes de vinhas trançadas, que soltavam algumas folhas aqui e ali.

Então ele se deu conta de que ela acordara e lhe sorria. Sem que realmente estivesse pensando em fazê-lo, aproximou o rosto para beijá-la, mas parou no meio do gesto: quem poderia dizer se o coração dela correspondia ao seu? Não pode, porém, refletir sobre isso, pois a elfa fez questão de terminar o que ele hesitava em fazer.

Augúrios da NoiteWhere stories live. Discover now