02 de junho de 1985

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— Jesus Cristo, você passou a noite inteira aí? - a garota desceu as escadas quase se arrastando, enquanto esfregava os olhos nas mangas do pijama com uma preguiça adolescente que se refletia no tom de voz.

— Você acha que vai demorar? - a outra ignorou a pergunta, esticando o pescoço entre as cortinas de estampa duvidosa, espiando a entrada de casa com olhos atentos pelo que era, provavelmente, a oitava vez nas últimas duas horas - Eles costumam passar antes das nove.

— Não no sábado. - a mais jovem revirou os olhos, espreguiçando-se longamente - Relaxa, garota...

À primeira vista, não havia semelhança óbvia entre as duas: os cabelos da mais velha eram alguns tons mais escuros e vários centímetros mais curtos, e o último inverno havia levado também seu posto como a filha mais alta. E não parava por aí: enquanto a caçula se vestia como uma mocinha de John Hughes, a primogênita preferia a protagonista de Dirty Dancing. Havia algo sobre como sorriam, contudo, que as identificava imediatamente como "as garotas Cooper": era um riso que vinha devagarinho no começo, e então de uma só vez, partindo-se em um sorriso aberto e característico.

— Você já esperou por 20 anos... - a mais nova deu de ombros, empoleirando-se no sofá ao lado da outra, recostando o rosto nela antes de bocejar - Feliz aniversário! - beijou o ombro da irmã, cerrando os olhos pronta para dormir só mais um pouquinho.

— Obrigada, Bree. - a aniversariante agradeceu, mas o sorriso que abria congelou no instante em que ouviu o som discreto da bicicleta do carteiro. A garota saltou do sofá sofá sem se preocupar com o modo como a irmã caiu sobre as almofadas com um "ouch" dramático - Chegou! - gritou em direção às escadas quando avistou o pai que descia lentamente, ajeitando os óculos - Papai, chegou!! - exclamou mais uma vez, partindo em direção à porta sem aguardar por uma resposta.

— Eu gostaria de vê-la empolgada assim com as cartas da Universidade, você não? - o pai sorriu divertido enquanto abraçava a esposa que acabava de se juntar a ele nos degraus, ao ver a garota correr porta afora sem importar com o fato de ainda estar de pijamas - Feliz aniversário, querida! - gritou, mas a primogênita não mais o ouvia.

Alice! - a mãe exclamou, horrorizada, enrolando-se no robe cor de rosa ao ver a garota correr em direção ao carteiro, quase o atropelando no caminho - Meu Deus, essa garota, John... - apertou a ponte do nariz, mas o marido não lhe dava atenção, abrindo aquele sorriso com o qual presenteara suas garotas, o riso Cooper.

— O que acham que vai estar escrito? - Bree se espremeu entre os pais na porta, a curiosidade tão aflorada que poderia facilmente ter corrido atrás da irmã se não estivesse tão desarrumada. Ela ainda tinha modos, por Deus...

— Nada de xeretar. - o pai apertou o nariz da caçula, observando com nostalgia o momento em que Alice tomou sua carta nas mãos. A garota parou por um instante, observando os pais e a irmã como se contemplasse aquele marco, e quando voltou a andar, a euforia deu lugar ao receio de passos bem mais cuidadosos. A mãe sorriu de canto, enxergando-se na garota que parecia carregar nas mãos o peso de toda uma vida. Deus, parecia que ontem mesmo recebia a sua!

Mãe... - Bree apelou, mas a mãe passou um dos braços em torno da menina, trazendo-a para dentro de casa.

— Deixe sua irmã, sim? - beijou os cabelos desalinhados da caçula, que protestou com um resmungo, acostumada a conseguir apoio sempre que desejava - Me ajudem com o café da manhã, vamos, vocês dois... - chamou, mas o marido permaneceu onde estava, aguardando por Alice.

Enquanto cobria o pequeno caminho de volta até a casa onde passara toda a vida, a jovem sentia o coração bater tão forte contra sua caixa torácica que o ar parecia escasso. Era a expectativa de toda uma vida bem ali entre seus dedos, tão trêmulos que ela poderia ter deixado cair a carta, se não a segurasse tão apertado.

VERÃO DE 85 • Lim SejunWhere stories live. Discover now