03 de julho de 1985

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03 de julho de 85

— Alice Cooper... - ele dizia o nome dela com um sorriso de canto, como se ele soasse muito divertido ou muito gostoso em seus lábios - Você está com medo? - a pergunta veio acompanhada de uma sobrancelha erguida e um sorriso cretino que sabia ser a chave para qualquer pedido, e Alice quase o odiou por um momento.

Quase, porque se aprendera algo sobre Lim Sejun no último mês, era que se manter irritada com ele era virtualmente impossível: havia algo extremamente cativante no garoto de sorriso fácil e olhos espertos que usava o velho cinema do tio como palco dos ensaios de sua própria caminhada rumo ao estrelato.

— Cala a boca. - a garota cutucou as costelas dele com o cotovelo no instante em que ele se adiantou e passou um dos braços em torno de seus ombros, trazendo-na para um abraço apertado - Eu não estou com medo, estou atenta. - explicou, afrouxando os braços do rapaz ao seu redor, um tanto menos afeita que ele àquelas demonstrações efusivas de afeto, e esta era só mais uma das coisas em que eram adoravelmente opostos.

Alice Cooper amava filmes de terror; Lim Sejun se assustava com o som de um escapamento de moto. Ela preferia o punk de The Police e ela tinha uma queda por The Smiths - mas de alguma forma encontravam consenso em The Cure. Ela, aspirante a escritora de livros de terror sem qualquer pretensão de holofotes; ele, nascido para as câmeras, a personificação de uma estrela - não das que ofuscam, das que iluminam tudo a sua volta. Ela ceticismo rebelde, ele malícia juvenil.

Em comum, tinham aquele verão, o último antes de serem arrebatados pela vida adulta. Um último verão, uma última aventura - caçar-fantasmas, brincar de desvendar o futuro e suas cartas misteriosas... Se apaixonar.

E era por isso que estavam no Midnight Bell naquela noite, pela aventura.

O bar buscava emular um pub europeu e ia bem até onde a cerveja chegava, mas falhava em manter o espírito quando chegava a temporada do futebol e decoração dava lugar a faixas do time local e homens de meia idade gritando para telas de TV. Aquele era o segundo lugar na lista de Alice, e ela passou algum tempo relutando contra a ideia de ir ali naquela noite. Foi convencida - quem diria! - por Sejun, que podia não ser corajoso, mas encontrava nela uma vontade de ser: ofereceu-se como sidekick de sua aventura. Estaria com ela para caçar seus fantasmas. Para viver aquela aventura.

— Preste atenção em mim, então. - ele deu de ombros daquele modo peculiar, roubando uma das batatas fritas da garota e piscando, sem remorso algum, no instante em que a colocou na boca.

Sejun... - Alice choramingou e, veja bem, ela nunca choramingava. Na verdade, tinha verdadeiro pavor da palavra - Você pode, por favor, focar no que estamos fazendo? - pediu, porque ainda que a presença dele a acalmasse, fazendo tudo parecer uma grande brincadeira, ainda sentia um medo primal do que poderia lhe aguardar naquela noite.

— Eu estou prestando, Alice... - ele suavizou o tom de voz, tocando o nariz da garota com o indicador e mostrando uma das covinhas - Não parece ter nada assustador aqui, além daquele barbudo esquisito ali... - deu mais uma olhada ao redor, sussurrando a última parte apenas para arrancar um sorriso fraco da garota - Você tem um guarda-costas, de qualquer jeito... - endireitou os ombros para parecer um pouco maior, e Alice enfim soltou uma risada, escondendo o rosto em seu ombro.

— Por que está fazendo isso? - perguntou, sem erguer o rosto.

— Porque um dia você vai ser famosa escrevendo livros sobre isso, e eu quero estar neles... - ele respondeu com simplicidade, e Alice não conteve um sorriso, ou o calor que tomou conta de seu coração com a ideia.

— Você já recebeu sua carta, por acaso, pra estar brincando de ler o futuro? - riu de canto, porque Sejun ainda tinha 19 anos, e aquele era um motivo constante de implicância entre eles..

— E por que eu falaria de você na minha carta, Alice Cooper? - ele ergueu uma sobrancelha, sugestivo, apenas pelo prazer de vê-la corar furiosamente. Segurou o punho que Alice usava para lhe bater, admirando o modo como a expressão dela suavizou em uma risada, que cessou aos pouquinhos, conforme se davam conta da proximidade em que estavam.

— Hm... - Alice pigarreou, colocando uma mecha dos cabelos detrás da orelha e aproveitando o gesto para se afastar um pouquinho, corando ainda mais diante da cena ridiculamente clichê que protagonizava naquele momento - Vem, não vamos passar a noite sentados... - colocou-se de pé, puxando Sejun pela manga da jaqueta jeans para que fossem para mais perto do palco.

— Esse cara nem sabe cantar, Alice... - o rapaz resmungou, pegando suas cervejas e se arrastando atrás dela. Assim que chegaram mais perto das caixas de som, torceu o nariz para o ruivo que tomava o palco, esforçando-se para cativar uma plateia que não parecia muito mais empolgada que o próprio Sejun.

— Por que você não canta? - a garota perguntou, puxando sua jaqueta algumas vezes com a empolgação - O microfone é aberto! - animou-se com a ideia, abrindo um sorriso, esperando alguma resposta do rapaz, que a encarou em silêncio por alguns segundos, tomando um gole demorado de cerveja em seguida.

— Eu nunca cantei pra uma plateia de verdade antes. - confessou, sabendo que aquilo soaria como um absurdo. Ensaiava quase todos os dias em um cinema vazio, e ao mesmo tempo em que sonhava com uma multidão gritando seu nome, apavorava-se com aquela ilusão. Que tipo de pessoa sonhava com a fama, e tinha verdadeiro pavor do palco?

Alice permaneceu em silêncio por alguns instantes com os olhos presos aos de Sejun, que lhe deixavam entrar e vislumbrar todo o receio que ainda havia naquele coração de garoto: medo do julgamento alheio, de não ser bom o bastante, de falhar.

— Você cantou pra mim. - ela disse, e havia um carinho tão grande em suas palavras que o sorriso de Sejun nasceu quase de imediato, erguendo seus lábios apenas o suficiente para que ela soubesse que ele também se lembrou daquela tarde no cinema - Pode fazer isso de novo, Sejun. - incentivou, maneando a cabeça em direção ao palco com um sorriso esperto.

Sejun sorriu largo dessa vez, sentindo mais uma vez aquele ímpeto de ser corajoso, como ela. Piscou, de volta a sua persona cativante e segura de si, respirando fundo e acenando uma vez antes de partir em direção ao palco, esperando que o cover mal feito de Bon Jovi terminasse sua canção.

A garota assistiu com o estômago repleto de expectativa o modo como Sejun caminhou até o microfone: tudo nele era tão bonito. Da linha bem marcada da mandíbula que ele tencionava pelo nervosismo aos ombros largos onde ele ajeitava a correia do violão. Ele enfim se postou sob o holofote do palco e Alice sorriu: aquele era o seu lugar. Quando Sejun ergueu os olhos, o sorriso de Alice o aguardava, e por um instante, como no cinema, só existia ela ali.

— Essa música é pra garota mais corajosa que eu conheço. - disse, com um sorriso de canto que se partiu em risada quando Alice ergueu os braços, assoaviando - Eu adoro caçar fantasmas com você.

"Let's dance in style, let's dance for a while
Heaven can wait we're only watching the skies
Hoping for the best, but expecting the worst
Are you gonna drop the bomb or not?"

Aos primeiros acordes, o sorriso no rosto de Alice chegou para nunca mais desaparecer, e quando a voz suave de Sejun cantou os primeiros versos, ela sentiu seu corpo inteiro se arrepiar. A música era feito uma homenagem àquele verão, às aventuras e desventuras que viviam na companhia um do outro. A eles.

"Forever young
I want to be forever young
Do you really want to live forever?
Forever, and ever."

Durante toda a canção, o sorriso dela lhe injetava confiança - não aquela confiança vazia que ele já vestia com seus modos seguros de si, mas do tipo que lhe fazia acreditar verdadeiramente que nascera para aquilo, o que era corroborado pelo modo como foi aplaudido por sua voz e seu carisma tão peculiar.

Ao descer do palco, Sejun teve certeza de que era aquilo o que queria fazer pelo resto da vida: não só cantar. Cantar para Alice.

VERÃO DE 85 • Lim SejunWhere stories live. Discover now