➵ 16. Save Me

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Calina Sartori
Dias atuais...

Sentindo o gosto forte descendo pela minha garganta. Vagando pelas ruas escuras que me levariam até em casa. As poucas pessoas que estavam nas ruas não me olhavam, mesmo que eu tropeçasse em meus próprios pés um pouco tonta. A garrafa de whiskey barato que eu comprei em um office licence no caminho de volta entre meus dedos. Atravessando os becos vazios sentindo o frio atingir minha pele fazendo minhas bochechas doerem e meus lábios arderem.

Eu ainda teria que ir trabalhar na parte da manhã, ainda tinha trabalho a fazer em casa. Mas no segundo que decidi beber tentando abafar o sentimento confuso que se instalou no meu peito, tudo foi por água abaixo. A irritação já havia passado, a vontade de chorar instalada na minha garganta, mas nenhuma lágrima sequer era capaz de descer dos meus olhos. Enfiei a mão no bolso de trás da minha saia puxando o maço de cigarro e isqueiro.

Precisa me embriagar, me sufocar com a maldita fumaça. Eu precisava parar de pensar em todas as coisas que atingiram em cheio minha mente.

Assassina.

Eu realmente havia me tornado uma?

Soltei a fumaça fedida do davidoff e inspirei permitindo que aquele cheiro me impreginasse por dentro. Se eu estivesse vivendo esse dia há seis anos, provavelmente eu iria me distrair com o ballet, iria dançar até sentir que as pontas dos meus dedos estivessem sangrando. Porque aquela dor era prazerosa, me permitia viver através dela. Porque eu sabia que a única coisa que não me abandonaria era a minha dança.

Soltei uma risada nasalada com meus próprios pensamentos. A dança não me abandonaria? Isso não existe, porra. Ela me abandonou. Tudo me abandonou. Todos fizeram isso.

Dançar já não me fazia respirar, na verdade me causava pânico e medo por achar que ninguém estaria lá. O olhar de todos já não me satisfazia, porque eu sabia o que se passava no fundo de suas mentes, eles já não me adoravam, não sentiam inveja e muito menos me desejavam algo bom ou ruim. Eu era alvo de pena. Sentiam tristeza ao me olhar.

A garota que colocou fogo na própria casa. A garota que foi manipulada por três caras e depois eles desapareceram nas sombras da noite.

Ela estava perturbada?
Ela estava inventando?
Ela estava mentindo?

Sim. Eu realmente coloquei fogo na minha maldita casa, decidida a acabar com aquele mundinho perfeito. Eu o destruí. Mas a verdade é que eu não queria destruir o mundo deles e sim o meu.

Eu inventei. Eu inventei em meu coração que eles estariam lá para me socorrer. Que eles estariam lá por mim.

E eu menti... Menti quando disse a todos que fiz tudo sozinha. Porque todos já haviam me abandonado e eu não queria que eles me deixassem completamente. Me agarrei em um vazio de sentimentos que pensei que existia. Eu queria ver mais faces da anarquia, queria que eles me ensinassem a respirar de verdade. Eu apenas queria me sentir viva mais uma vez. Mas eles desapareceram...

Por seis malditos anos.

E agora eles voltaram. Mas eu não tenho mais nada. Eu não sinto nada. Eu não sou mais ninguém. Calina Sartori desapareceu naquela noite. E mesmo que meus pés ainda se encaixem perfeitamente dentro de uma sapatilha, mesmo que eu ainda treine desejando que talvez algum dia alguém mais uma vez me assista... Eu ainda não sou ninguém.

— Merda... — Murmurei sentindo meu estômago embrulhar.

Apressei meus passos em direção ao prédio, mesmo ainda dentro do beco eu o avistava. Levantei meu olhar para cima vendo a noite estrelada. Era difícil avistar o céu assim em Londres. É tão lotada de luzes e o clima chuvoso que sempre está dominando que poucas vezes temos o prazer de admirar o céu brilhoso. Isso faz mais uma risada passar pelos meus lábios. Estava exatamente assim naquela noite em que eu decidi fazer o céu se queimar.

TOQUE-ME SE FOR CAPAZWhere stories live. Discover now