➵ 19. Because you are Calina Sartori

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Calina Sartori
Dias atuais...

Caminho vagarosamente até parar em frente à porta principal do casarão, estendendo o dedo até a campainha, o barulho ressoando por toda a casa. Minhas emoções me dominam: meus olhos ardem, meu pulso dispara, cada detalhe das lembranças se torna mais vívido. Recordo vividamente o desdém no olhar de meu pai, observando-nos através da janela.

Evito que as lágrimas tomem conta, recuso-me a dar esse prazer a ele novamente.

A empregada abre a porta, seus olhos examinam-me de cima a baixo, questionando-se sobre o que aconteceu ou por que estou ali. Seis anos se passaram desde que todos me viram pela última vez vagando pelos corredores dessa imensa casa.

— Senhorita Sarto... — Ela se corrige imediatamente, curvando-se, hesitante ao pronunciar meu sobrenome. — Senhorita Calina, no que posso ajuda-lá?

— Meu pai está em casa? — Ela confirma com a cabeça.

Entro na sala, os meus passos soam no chão de madeira. Observo minhas roupas: a saia preta folgada, rasgada na coxa, ralados em ambos os joelhos com o sangue escorrendo para meus pés. A blusa social já não exibe seu branco original, faltam três botões perdidos durante minha saída forçada pelo portão. Agradeço por não ter dinheiro para roupas de grife, utilizando trapos velhos há anos.

Chego à porta do escritório, meu estômago embrulha imediatamente. Esta seria a minha primeira entrada voluntária neste lugar. Lembro-me de fugir, evitar este corredor a todo custo. Os gritos do meu irmão, as discussões dos meus pais e até meus próprios gritos ecoam por este local, um calabouço de memórias sombrias que tento guardar no fundo da minha alma, no porão mais distante possível, mas todas as cicatrizes finas quase inexistentes ainda doíam.

Minha garganta em segundos se tornou áspera e a minha respiração se tornou pesada. Exatamente como a energia de estar somente na porta, mas respirei fundo girando a maçaneta e adentrando a sala. Levei meu olhar até meu pai que se mantinha em pé de frente para a janela trajando sua calça social e uma camiseta preta gola alta cobrindo seus braços e pescoço. Seus pulsos eram rodeados por relógio e pulseiras tão caras que comprariam facilmente uma cidade inteira no interior de Londres. E o charuto importado vindo direto de Barcelona em seus dedos.

Aspirei com força endireitando minha coluna, mas sentindo minhas pernas fraquejarem enquanto o primeiro passo era dado na sala. No mesmo instante todos os pelos do meu corpo enrijece e a aura sombria me abraça.

— Vejo que ainda é o seu favorito... — Murmurei aproximando-me do sofá. — O vovô realmente fez algo tão grandioso?

Meu avô por parte de pai era o mestre por trás da criação daquela marca de charutos que meu pai tanto apreciava. Mas algo aconteceu após meu nascimento, quando nos mudamos de Barcelona para Londres, onde minha mãe herdou o seu império. Mas meu pai não recebeu nada do que era seu. Um mistério inexplorado nas conversas de um grande mistério que nunca pode ser tocado na mesa de jantar ou sua fúria era despertada com facilidade.

— Eu me lembrei de uma coisa hoje. — Senti minha voz falhar, mas disfarcei dando uma risada bufada. — Você exatamente nessa janela me observando com o Willian lá fora. Se lembra disso, papai?

Mordi meu lábio inferior sentindo o gosto de ferro. Ergo-me, caminhando lentamente até ele. Internamente, a raiva cresce, mas exteriormente, estou tão vazia quanto ele desejava. Se ele me ensinou algo, foi a ser vazia, impenetrável. Ser vazia, para que ninguém pudesse me atingir. Agora, ironicamente, sinto vontade de rir, considerando se talvez ele tenha me ensinado isso para me proteger dele.

Seu rosto virou lentamente para mim. Só então percebo que estou rindo, uma risada descontrolada preenchendo a sala.

— Se lembrou? — Não soou como uma pergunta, principalmente com seu rosto inexpressivo. — O que você tinha para esquecer? Deveria se lembrar daquela lição valiosa, Calina. Seu irmão estava apenas te ajudando...

TOQUE-ME SE FOR CAPAZWhere stories live. Discover now