1- v a z i a

11.4K 1.9K 5.1K
                                    

Porque eu receio que eu possa quebrar
E eu receio que eu não possa suportar
Hoje a noite eu ficarei acordada me sentindo vazia
Paramore (Pressure)

⚜️

NITALIA P.

NO AMBIENTE FECHADO E ESPAÇOSO, ONDE o piso era de madeira escura e as paredes pintadas num tom de bege; eu rodopiava pelo espaço amplo enquanto as notas clássicas do ballet Swan Lake Op.20 de Tchaikovsky ecoavam pelas caixas de som, onde meu iPod estava conectado. Em sintonia com as notas melancólicas, girei três vezes pelo lugar, em sequência, esticando e dobrando o joelho direito num perfeito rond de jambe en l'air. As lágrimas estavam deixando minha visão turva, mas, no momento, eu não precisava enxergar nada nitidamente.

Só precisava me conectar com a música e dançar.

Fiz um arabesque penchée descontando toda a tristeza que estava sentindo no passo. Eu só queria que a dor fosse embora junto com as lágrimas e os movimentos da dança. Mas a música acabou e os sentimentos continuaram reinando em meu coração, em minha alma, em mim.

Funguei, limpando meu rosto molhado com as costas da mão.

Outra música clássica começou a tocar e eu fui até o canto da sala para desligar o aparelho de som.

Ao ficar de pé, depois de ter me agachado para desconectar o iPod da caixinha, respirei fundo assim que encarei meu reflexo depressivo no enorme espelho do ateliê.

A mulher dentro do collant negro de mangas curtas, saia da mesma cor, meia-calça rosa claro e sapatilhas de ponta da cor da meia-calça; encarando-me de volta era tão parecida com a mesma Nitalia de alguns meses atrás. Mas, na realidade, era só a casca dela.

Engoli a vontade de gritar para o meu próprio reflexo quando as questões que passaram a me atormentar voltaram a martelar na minha mente. Eu não queria pensar muito nessas questões porque ninguém no mundo poderia respondê-las.

Ainda assim, era inevitável pensar: "Por que a vida me tirou meus pais? Por que ela me tirou meu namorado? Por que me tirou tudo de uma vez?".

Ou quase tudo.

Eu ainda tinha minhas irmãs, minha madrinha e a dança. Porém, obviamente que isso não arrancava do meu peito a dor da perda e nem o medo de perder mais alguém. Ter Malena, Breanna e minha tia comigo fazia tudo ser menos doloroso, porém não fazia tudo não ser doloroso. Até porque, era difícil lembrar que num dia eu tive tudo e no outro nada.

As coisas aconteceram rápido demais.

Num dia eu era a mulher mais feliz do mundo tendo meus pais comigo, um namorado zeloso, um emprego e um lar. E então, num curto espaço de tempo, eu não tinha mais meus pais, a nossa casa, um namorado e uma carreira. Era como se minha vida fosse um castelo de areia que uma onda do mar levou.

Eu estava me sentindo vazia, perdida, sem rumo. Mas eu tinha que ser forte, ou tentar ser. Por Malena, eu tinha que reaprender a caminhar nos caminhos esburacados da vida. Ou aprender, pois eu não sabia se um dia fui capaz de fato.

— Nita, nós chegamos! — Ouvi minha madrinha gritar do andar de baixo.

Recompus-me rapidamente, apagando os vestígios do meu sofrimento, e saí da pequena sala de dança. Um mimo da minha madrinha por saber que Malena e eu amávamos ballet.

Passei rapidamente no meu quarto apenas para guardar meu iPod.

Assim que entrei na sala de estar, parte da minha tristeza se foi ao ver minha pequena.

Um Único Passo |DEGUSTAÇÃO|Onde as histórias ganham vida. Descobre agora