Capítulo 1: Caranguejo Eremita - Mariana Rezer

504 23 34
                                    

Aaron não podia conter sua felicidade. Sentia que era capaz de pular e gritar pela casa, mas não queria atrapalhar o sono dos pais ou da irmã, e muito menos o dos peixes. Eram quase cinco da madrugada. E seu projeto estava pronto. Depois de quase três anos no processo, o amontoado de folhas o encarava. Enfim finalizado.

Ciente de que não conseguira dormir tamanha a excitação, o jovem vestiu um casaco confortável e colocou os pés para fora de casa. Pensava na diferença que faria. Sua máquina ajudaria a todos, vizinhos ou desconhecidos, não importava. Ele caminhava, fitando maravilhado o mar azul-negro acima dos tetos de suas casas. Já conseguia imaginar o borbulhar das turbinas animando as tardes tediosas dos mais pequenos dos moradores da Concha.

Sua família havia nascido ali há muito, muito tempo com sua antepassada Margot Birch. Ela havia sido uma das primeiras Translúcidas recolhidas pelos mestres Grã-Arraias para integrarem a Concha, a primogênita das comunidades sub-aquáticas. Isso nos dias em que os terríveis Jardineiros permitiram que o Jardim Superior fosse destruído em fogo, e com ele caíram seus impérios de metal. O jovem agora entendia por quê os Grã-Arraias escolheram Margot. Ele não era o mais fiel dos Translúcidos, mas acreditava. Ele, assim como todos os outros estavam lá por um motivo. O seu era o Projeto Caranguejo Eremita. Ele não sabia muito sobre o Jardim, pois parece que não havia muito a se saber depois que os Jardineiros o corromperam. Mas sabia da Concha e sabia do mar.

Aaron era um dos poucos Translúcidos da Concha a se tornarem nadadores. Era perigoso, com certeza. Muitos acabavam destroçados e engolidos por predadores, sufocados por falhas técnicas em seus capacetes ou perdidos mar afora. As inúmeras perdas o assombravam, mas o senso de reconhecimento e a excitação da aventura o recompensavam diariamente. Seu trabalho consistia em três tarefas: a caça, coleta e análise da imensidão que os cercava. A última parte era a sua favorita. Observador nato, o jovem havia evitado interferir em praticamente qualquer coisa por toda sua vida. Bem, pelo menos até agora.

A vida na Concha era bela, pacífica e incorruptível. E estava para mudar, com o Projeto Caranguejo Eremita em sua última fase de realização: a construção da máquina. O Eremita se tratava de uma nave subaquática, baseada nos desenhos das antigas embarcações responsáveis por trazer os primeiros Translúcidos até a Concha, séculos atrás. Aaron foi capaz de recuperar alguns desses desenhos em sua muito insistente fase de idealização do projeto, visto que todas as embarcações estavam há muito perdidas oceano adentro.

Este era o maior problema da Concha, pensava ele, enquanto caminhava pela vizinhança e as águas já se tornavam mais claras. Ali nada mudava. Talvez para o bem, visto que permaneciam em pé há séculos, enquanto o resto do mundo desabara. Mas também, talvez para o mal. À pé de mudança, ele se preocupava que seu projeto fosse atrair atenção indesejada.

Mesmo convicto dos benefícios de sua máquina, temia a fúria dos mais conservadores. O Eremita facilitaria a vida dos nadadores, a espinha dorsal da Concha. Com suas garras metálicas, mais nenhum homem havia de arriscar sua vida e morrer no trabalho. Aaron não entendia por que alguém havia de se opor a isso. Pouco a pouco, a rua começava a ficar mais movimentada e o brilho das águas que os cercavam se intensificava. O jovem retornava para casa a fim de se preparar para mais um dia de trabalho. 

 

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.
O Caranguejo EremitaWhere stories live. Discover now