Capítulo 5: O Monstro à Espreita - Rafael Antônio Carneiro

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Foi só colocar um pé dentro da sede Grã-Arraia que todos aqueles sentimentos de vulnerabilidade atingiram Silke novamente. Tudo aquilo que ela passara anos para superar, tentando se convencer que eram apenas preocupações infundamentadas. Ela sabia que não existiam provas de que ela sequer falara com Holbrook... A não ser por aquela maldita foto. E agora, o testemunho de sua sobrinha. Não era como se alguém desse ouvidos à infame herdeira de seu irmão, mas Silke conhecia a teimosia da garota bem o suficiente para saber que ela não desistiria de seus planos facilmente. Especialmente quando se tratava de ajudar o charmoso professor que ela tanto se afeiçoara. De repente, a mente de Silke se vira cheia dos milhares de detalhes que poderiam ter lhe passado por despercebido. Ela já não tinha tanta certeza sobre a inexistência de provas.

O conselho já estava reunido quando a mulher se esgueirou até a sua cadeira ao redor da mesa redonda. Os rostos abatidos dos membros a encaravam com apatia quando ela lhes direcionava suas perguntas, tentando ficar a par da discussão que tomara de conta da sala antes de sua chegada. Haviam sido duas reuniões de emergência na mesma semana, ambas sobre problemas outrora incomuns dentro das paredes da Concha. Os Grãs-Arraias atuais conheciam tais dificuldades das histórias de seus antepassados, a única coisa que os diferenciava do restante dos cidadãos da Concha. Ainda assim, eles se provaram inocentes e ingênuos quando a realidade lhes bateu à porta. Ou pelo menos a maioria deles.

- Que bom que resolveu se juntar a nós, irmã – A voz rouca de Isaac reverberou pelas paredes de mármore da sala. Os murmúrios desapareceram como um cardume fugindo de uma barracuda e todos os olhares se direcionaram para a recém-chegada – Acredito que agora você entenda a gravidade da nossa situação.

Ele gesticulou com a mão, deixando claro que se referia aos escritos no exterior do prédio. Depois disso, se levantou de sua cadeira e dirigiu-se para o centro do lugar, tornando-se o novo alvo dos olhares apreensivos da assembleia.

- Felizmente, a volta dos Dragões Negros se deu num momento mais do que oportuno para o nosso conselho. Nós temos um ato de insubordinação, um crime, um culpado e um mártir. Os Translúcidos têm suas hipóteses, mas nenhum deles tem qualquer certeza sobre os ideais e propósitos por trás do ocorrido. Tudo que o conselho precisa fazer é dar um pequeno retoque na história antes de apresenta-la ao povo. Se fizermos isso da forma correta, os próprios Translúcidos farão o trabalho de afogar esse maldito movimento. Afinal, ninguém quer fazer parte de um movimento infame, como essas Lagartixas Negras já deveriam ter aprendido há muito tempo.

O homem lançou um olhar feroz ao seu redor, querendo a certeza de que todos o haviam ouvido claramente. Ele julgou os olhos arregalados e os corpos imóveis como uma resposta justa, então se dirigiu de volta ao seu assento atrás da mesa.

- Se todos estiverem todos de acordo, devemos dar início a esse processo antes que sejamos surpreendidos mais uma vez...

O silêncio do consentimento – ou, naquele caso, do medo – seguiu as palavras do Mestre Grã-Arraia, e logo ele começava a redigir o documento que autorizava seu poder sobre a história: Um dos muitos que já haviam sido escritos na história da Concha. Daquele momento até quando fosse oficialmente revogado por uma nova reunião do conselho, os Mestres Grãs-Arrais tinham total autonomia sobre a alteração de qualquer documento que jamais existiu na base de dados do conselho. A verdade estava a uma borracha de distância de deixar de existir, e uma caneta de ser alterada. No final daquele período, a "história" da Concha jamais seria a mesma.

- Um sacrifício do passado para a prosperidade do futuro - Isaac Mahe recitou as palavras que caracteristicamente finalizavam aquele tipo de documento. Ele passou o papel adiante para que cada membro do Conselho registrasse seu apoio com sua caligrafia. Logo, as folhas esverdeadas chegavam às mãos de Silke. " A liberdade morre afogada em papelada ", ela lembrou das palavras de Holbrook enquanto riscava o papel poroso com sua geométrica assinatura. No momento seguinte o papel já se distanciava dela, enquanto o restante da assembleia também marcava as folhas com seu apoio. Pouco tempo depois, ele já deslizava de volta para as brancas e ossudas mãos do grisalho Mestre Grã-Arraia.

O Caranguejo EremitaWhere stories live. Discover now