Capítulo 2: O Mar Aberto - Mariana Zambon Braga

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No vasto salão, sóbrio e cinzento, o Conselho dos Grã-Arraias se reunia em caráter de emergência. A notícia da morte do nadador se alastrara como um vírus e os habitantes da Concha estavam agitados. O Conselho temia pela estabilidade da comunidade.

Caminhando com passos lentos e marcados, Isaac pensava em uma alternativa para conter a situação. Quando soube do projeto do Caranguejo Eremita, sentiu-se impelido a proibir aquela insanidade de uma vez por todas. De certa forma, a morte de Aaron não era uma tragédia tão irreparável; soava mais como um doce presente do destino. Lidaria com as consequências mais tarde. Agora era hora de conter o incêndio.

A assembleia era composta pelas famílias descendentes diretas dos primeiros Translúcidos, além dos mestres Grã-Arraias. Cada um dos conselheiros detinha uma parte do conhecimento acerca de Jardim Superior, sobre as outras comunidades que ainda existiam em partes distintas da imensidão do mar, além de diversos mistérios sobre a origem de tudo. Apenas Isaac e Silke sabiam das outras Conchas, e como chegar até elas. Era uma rede complexa de segredos. O pacto era muito claro: não tinham permissão para escrever sobre nada, tampouco comentar uns com os outros.

Isaac, um homem muito alto, esguio e com os cabelos longos e prateados, amarrados em uma fina trança que se estendia até a cintura, vestia seus trajes habituais – uma espécie de terno cinza escuro, sapatos emborrachados e um colete de lã que se estendia até os pés. Era o ancião mais respeitado dentre os Mestres, e também o pai de Isis. Enojava-o saber que sua filha abandonara os costumes antigos e se recusara a receber sua parte do segredo. Era uma rebelde, assim como aquele tal Elliot Vernon. Decerto estariam planejando alguma insurreição contra os valores da Concha. Aaron Birch logo seria tomado como um mártir. Era urgente abafar este caso o quanto antes.

Um súbito toque na porta da sala despertou Isaac de seu profundo diálogo interior. A porta se abriu, revelando um jovem mensageiro com um pacote em mãos.

- Com licença, Mestre. Trouxe o material que me pediu.

O embrulho percorreu toda a sala até chegar às mãos estendidas e imóveis do Ancião. Isaac abriu o pacote com cuidado, como se manipulasse uma bomba. Retirou um bloco de folhas com desenhos e esquemas de construção. O título "Caranguejo Eremita - Versão Final", seguido dos nomes dos autores Aaron e Cecília Birch, foram as primeiras coisas que chamaram sua atenção. Seus olhos acinzentados pareciam envoltos em chamas quando os levantou do papel para conduzir a assembleia.

- Todos sabem por que estamos aqui – disse, em tom grave, fazendo a voz ecoar pela sala redonda. – O nadador Aaron Birch, descumprindo o seu juramento, resolveu criar uma máquina com potencial para chegar à superfície. Sua morte foi uma terrível perda, sem dúvidas, mas não podemos ignorar o fato de que um projeto como este pode significar nossa ruína. Temos fortes indícios para crer que ele encontrou uma vasta fonte de viridiana.

Um coro de grunhidos baixos de reprovação e surpresa se formou no recinto. Com a sobrancelha erguida e os lábios contraídos, Isaac sorria por dentro.

- Gostaria de pedir o apoio desta assembleia para suspender todas as atividades dos nadadores.

- Mas, Mestre – uma voz interviu, em meio aos membros do Conselho – se encerrarmos as expedições, como iremos suprir a demanda por alimento? Precisamos pensar nas implicações práticas, e...

Antes que a mulher pudesse terminar de falar, Isaac o interrompeu com uma carranca e um sonoro "Hum!".

- Você está questionando a necessidade desta intervenção, Silke? Se todos os Translúcidos começarem a investigar o passado e suas origens, a ter ideias como a deste garoto, o que você acha que vai acontecer com tudo o que conseguimos manter por tantos séculos?

O Caranguejo EremitaWhere stories live. Discover now