Capítulo 3: Presos - Laura Tude

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Algumas horas após o fim do funeral, quando todos os presentes já haviam se dispersado e aquele local retornava à sua monótona rotina, dois funcionários se aproximaram, carregando pilhas de correntes de ferro revestidas com zircônio, cadeados e um peculiar objeto semelhante a um extintor de incêndio. A escotilha principal era grande. Seria necessária muita cautela para lacrá-la.

Nathan e Hugo eram rapazes musculosos, membros do Cardume, uma classe de trabalhadores braçais que lidava com qualquer coisa que exigisse força e suor, e estavam habituados a cumprir as ordens dos Grã-Arraias sem questionar. Interessavam-lhes somente as medidas, e não suas respectivas causas e motivações. Porém, o motivo de uma ação tão drástica e, por enquanto, confidencial era claro. Um jovem nadador morrera enquanto se aventurava pelo mar aberto, aparentemente, sem supervisão e sem ter avisado a ninguém sobre suas intenções. E seu acompanhante, um professor de química que não possuía qualquer experiência naquela área, sobrevivera intacto. Estranho, no mínimo.

O fato é que os dois haviam deixado a Concha através de uma daquelas escotilhas (como se houvesse outra forma de fazê-lo...). Não era difícil concluir que, por motivos de segurança, seria melhor se ninguém mais as pudesse atravessar até que as circunstâncias fossem investigadas e tudo voltasse ao normal.

Com um suspiro cansado, Nathan começou a enrolar a primeira corrente em torno da grande fechadura da escotilha. Hugo o observava quieto. Sua função viria apenas mais tarde. Entediado, ele decidiu desconcentrar o colega:

– Você sabe como o Aaron realmente morreu? Quer dizer, eu sei que ele foi encontrado ferido na água, mas...

Nathan franziu o cenho, sem desviar os olhos da tarefa. Suas mãos habilidosas eram tão calejadas que as dobras dos dedos estavam ficando em carne viva, mas ele nem cogitava se importar.

– Não devemos falar sobre nada durante o trabalho. Especialmente, não sobre isso. – retrucou, severo.

Hugo bufou, ficou em silêncio por alguns instantes e passou – como quem não quer nada – a batucar na superfície metálica do aparelho que trazia, provocando um ruído alto e muito irritante. Era tortura psicológica. Ou Nathan conversava com ele, ou era obrigado a ficar ouvindo aquilo enquanto trabalhava.

– Ok. Meu primo estava na praça quando o corpo foi trazido. Ele conseguiu dar uma boa olhada na ferida e disse que... que era assustadora. O cara foi empalado por algo. Acho que podemos eliminar a possibilidade daquele professor charmoso tê-lo assassinado, porque ele nunca conseguiria fazer aquilo, pelo menos não sem uma arma enorme. – disse Nathan, baixando o tom como se temesse ser ouvido. Fofocas durante o trabalho já lhe haviam causado problemas sérios.

Hugo aproximou-se dele e respondeu sussurrando ainda mais:

– Foram os monstros.

Desta vez, Nathan desviou o olhar da fechadura, apenas para lançar ao colega um frio olhar de reprovação.

– Você já é velho demais para essas coisas.

– É sério! – insistiu o trabalhador. – Quando eu era criança, vi um desses bem de perto, aqui mesmo, no limite da Concha.

– Quando era criança, você pensou ter visto algo porque as histórias que sua mãe contava sobre criaturas abissais o faziam chorar de medo.

Nathan sabia do que estava falando. Ele e Hugo se conheciam há muito tempo. Frequentaram a mesma escola, reprovaram nos mesmos exames e foram designados contra a vontade para o treinamento do Cardume – juntos. E recebiam a mesma tarefa, também. Parecia uma implicância cósmica.

Bem, a criança chorona interior de Hugo se ofendeu, e ele perdeu a paciência.

– Eu vi! Passou bem perto do vidro. Vi uma mancha negra se aproximando e achei que não fosse nada... Então percebi que aquela coisa tinha espinhos longos e pontiagudos brotando do que parecia ser a cabeça... E um único olho vermelho, fixo em mim... Depois não lembro. Saí correndo.

O Caranguejo EremitaWhere stories live. Discover now