Identidade e Monarquia

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A pedra fundamental da democracia é a identidade pátria comum aos indivíduos que nasceram na mesma terra. Um misto de sentimento e características que tornam tais indivíduos reconhecíveis por serem de um lugar específico: pela cor da pele, traços no rosto, pelo falar, pelo agir, pelo pensar. Um conjunto de culturas que formam uma intersecção firme. Esta intersecção é a identidade pátria, sem a qual, a coesão do país torna-se frágil e insustentável. Sem isto o governo se corrompe na oclocracia e anarquia.

E veja como estamos: com um sistema (a república presidencialista) que toma para si o territorio, arvora-se acima dos cidadãos, para governar a vida deles, legando-lhes um mero papel de habitantes do terreno que governa. A república presidencialista usurpa o sentido de ser nação a tal ponto que os nascidos na terra confundem o que é o governo e o que é o país, como se fossem a mesma coisa. Neste quadro o individuo passa a ser excluído da composição do Brasil, sendo apenas mais um objeto a ser administrado dentro de um mapa geopolítico. O sistema atual, enxarcado de corrupção e ineficiência, provoca frustração, insatisfação e vergonha.

Vergonha de quê? Ora, se governo, república, terreno, é tudo a mesma coisa, termina se tendo vergonha do próprio país. Nojo do Brasil. A ruptura entre o indivíduo e seu sentimento de ser integrante da pátria.

Assim, o cidadão sendo persistentemente escarnecido no seu direito natural pátrio, chega a desconhecer como seu os símbolos do país, dos quais o governo tomou posse, e até a ter desgosto ao ser lembrado deles. Queimam bandeiras, renegam o hino, esquivam-se de servir as forças armadas. E os que prezam por tais símbolos são tidos por "alienados". Neste estado de abandono, de orfandade, é comum procurar pais adotivos. É a situação que os individuos se aglomeram debaixo de uma bandeira partidaria-ideológica; de associações, seitas e religiões; de regionalismo e separatismo; e até de outro país, sendo colonizado culturalmente aqui dentro, ou partindo ao extremo da emigração.

Esta tentativa de se reencontrar, numa procura por alguma identidade, para juntar os cacos, não é nova. É tentada inclusive pelos próprios governos, quando percebem o deteriorar da identidade. Joaquim Nabuco advertiu contra tal tendência ao presenciar esta tentativa por parte das repúblicas americanas: "Não existe, acredite, uma civilização americana destinada a substituir a europeia. O que temos não passa de uma espécie de protecionismo político, sem gênio inventivo, sem habilidade de execução, de mão d'obra inferior, sem o talento sequer do plágio, e cujos produtos, como os da indústria protegida, não passam de grosseiras falsificações dos modelos copiados. O protecionismo em política, ciência, literatura, arte, religião, qualquer que seja a sua pretenção na indústria, é uma barreira apenas de ignorância."(1) E assim estamos hoje: com um governo destinando recursos do erário para favorecer mediocridades nacionais.

A corrupção que presenciamos não é um evento isolado de hoje. Nem é por acaso.  O brasileiro é puxado para unir-se a corrupção, ou empurrado a marginalidade. Resistir é estoico. Esses patriotas que resistem se agarram a última coesão que lhes resta: no sentimento de separação do país em "nós" e "eles". Esta é a origem da frase "Quero meu país de volta!". O que há no íntimo é "O governo não é o meu país! O governo afanou o meu país! O Brasil sou eu. Quero meu país de volta!" É a prova da secção entre a sociedade e o governo.

Há quem se deleite com tal cenário. Joaquim Nabuco, já na república disse: "Não sou dos que dizem: 'Quanto pior, melhor', mesmo porque do extremo mal, não creio que nascesse a reação, e sim maior incapacidade para tentá-la, maior desânimo ainda. Tudo que for destruir, diminuir a acumulação material e moral deixada pela monarquia é favorecer a república: o Brasil quanto mais civilizado mais tenderá para a monarquia; quanto mais bárbaro, mais se desinteressará dela." (1)

Infelizmente o que se vê é o caminhar para uma civilização bárbara. Uma sociedade tribal. Porque a ruptura social feita pelo governo favorece a organização de setores sub-reptícios da sociedade: o crime organizado. É difícil resistir. Assim, o bom brasileiro, o patriota legítimo, vê-se separado do governo, a mercê do crime organizado nas ruas e do crime organizado no Estado.

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