[07] confrontos e corações quebrados

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Dormir não parecia uma opção para mim essa noite. Já havia cansado de contar quantas vezes eu tinha virado na cama para lá e para cá em busca de sono, ou de algo que me distraísse e me fizesse parar de pensar nos acontecimentos das últimas horas. Pego meu celular afim de olhar as horas e vejo que já se aproxima das duas da manhã, então decido levantar e ir até a cozinha, em busca do lanche que deixei em cima do balcão depois de conversar com Ricardo.

Levanto da cama e pego uma camisa sobre uma das cadeiras dispostas em meu quarto e abro a porta dando de cara com Rafaela parada no meio da minha porta segurando um cobertor entre as mãos.

— Você também não consegue dormir? — pergunta com a voz baixa, quase como um sussurro. Então ela também não havia conseguido dormir?

— Não... Estava indo na cozinha preparar alguma coisa, quer ir também?

— Pode ser. — responde rapidamente, como se essa fosse sua intenção desde o começo e nem precisasse um tempo para pensar.

Fecho a porta atrás de mim e ela vira-se e caminha em direção a escada. Todas as luzes da casa estão apagadas, então durante o percurso até a cozinha, era difícil decifrar o que Rafaela vestia. Ela chega na cozinha mais rápido do que eu e depois de acender a luz, senta-se na mesa com os pés apoiados em uma das cadeiras.

Agora eu poderia ver direito com o que Rafa se enrolada e como estava vestida. E eu só havia visto bonita desse jeito com uma roupa de dormir apenas uma vez e isso foi a anos atrás, desvio minha atenção dela e vou até a geladeira pegando ingredientes para fazer um misto quente.

— Quer um? — pergunto enquanto coloco as coisas sobre o balcão.

— Dois.

Ela fica em silencio todo o momento em que preparo os mistos quentes. E depois de prontos coloco todos em um prato, pego uma jarra de suco na geladeira e coloco em cima da mesa, ao lado dela.

Rafa pega um dos mistos quentes e dá uma grande mordida e tenta assoprar a própria boca já que o sanduiche estava quente e havia acabado de sair. Coloco um pouco de suco dentro de um dos copos e entrego a ela.

— Come devagar.

Ela pega o copo das minhas mãos de boa vontade e eu pego um dos mistos quentes também e comemos em silencio.

— Por que você cantou aquela música para mim? — Rafaela me perguntando depois de terminar o seu último sanduiche e colocar mais um pouco de suco para si. Enquanto eu, ainda com pedaços de queijo e pão na boca fico sem saber o que responder, já que nem eu sabia muito bem o motivo de ter cantando a música para Rafaela, sabia que aquela música era a preferida dela por já ter escutado minha mãe conversando ao telefone com ela e elas terem comentado, sabia a letra decorada já que também era a música preferida da mãe.

— É a minha música preferida. — ela fala para mim depois do tempo que fiquei em silencio e tudo que consigo dizer é:

— Eu sei.

Ela olha para as próprias mãos e fica calda por um tempo, assim como eu.

— Você não tinha o direito de...

A interrompo.

— Por que você não ficou Rafaela?

Ela me olha como se não entendesse o que eu havia falado. Eu não deveria ter começado a sequer pensar no assunto, mas essa pergunta me perturbou durante anos e essa noite parecia até mais forte. Ela não foi a única a sofrer. Eu também sofri e muito.

— Por que você não ficou quando eu comecei a me afastar? Quando eu comecei a entrar na fase mais dificil da minha vida? Onde estava a minha melhor amiga quando o meu mundo desabava?

As palavras saem como jato da minha boca e a vejo que a deixei atordoada. E enquanto eu a olho sem expressão fixa, sei que não quero saber das respostas, então pego a louça que sujamos e levo até a pia, quando viro-me de volta para Rafa, ela continua calada e agora, olhando novamente para as próprias mãos. Decido voltar para meu quarto, e quando estou prestes a sair da cozinha e apago a luz, deixando Rafaela no escuro, ela resolve se pronunciar.

— Eu estava sofrendo pelo o meu melhor e único amigo ter me virado as costas do dia para a noite.

Parei no mesmo lugar que eu estava e fiquei.

Eu sofri; Ela sofreu; E nenhum dos dois foi capaz de ir atrás um do outro.

E com esse pensamento eu ri.

— Do que você está rindo?

— Acabei de perceber que o orgulho é uma merda.

— Eu não sou orgulhosa!

Acendo a luz novamente e viro-me para ficar de frente para ela. Que agora não está mais sentada sobre a mesa e sim a poucos metros de mim.

— E é o que? Você não foi atrás de mim por que eu não fui atrás de você. Isso é orgulho Rafaela, ou você não sabe?

A vejo a dar um passo à frente e sua expressão mudar de tristeza para raiva.

— O que você queria que eu fizesse Rafael? Você começou a me ignorar do dia para a noite e queria que eu fosse atrás de você enquanto você fingia que eu não existia?

— Eu queria que você tivesse ficado Rafaela! Que você tivesse ido atrás de mim mais um pouco, que você também não agisse como fosse só você que tinha sentimentos. — falo alto tentando controlar minha voz, já que nossos pais estavam dormindo, mas os sentimentos eram grandes demais para serem expostos aos sussurros.

Ela deu mais um passo ficando cara a cara comigo.

— Você acha que eu não tenho sentimentos Rafael? Que é só você que sofre? — esbraveja — Você também poderia ter ido atrás de mim, poderia ter me ligado, me mandado mensagem, mas nem isso você fez. Você não deu importância para as pessoas que se preocupavam com você, você simplesmente some, fingi que eu não existo e quando aparece quer voltar de onde paramos? Quer voltar cantando a minha música preferida, a música que eu tanto escutei enquanto eu chorava por você?

Me calo. Eu queria sair dali, mas eu também não queria passar por um covarde e deixa-la gritando comigo sozinha no meio da cozinha, fico parado, estaticamente no mesmo lugar enquanto Rafaela muda sua expressão de raiva, para tristeza e depois para raiva novamente.

— Você não vai falar nada porra?

— O que você quer que eu fale? Quer que eu peça desculpas? Eu peço. Desculpa, Rafaela, por estar sofrendo por meus pais estarem se separando. Desculpa por ter vivido um drama familiar enquanto você tinha a família perfeita. Desculpa se eu fui um idiota enquanto eu tentava me encontrar e enquanto você, apenas crescia na família de comercial de margarina.

Quando termino de falar sinto apenas o calor da mão dela em meu rosto. Sinto apenas o tapa em meu rosto e vejo seus olhos se encherem de lágrimas. Ela passa por mim que nem um furacão deixando seu cobertor no chão da cozinha e corre escadas a cima. Fico apenas segundos parado antes de correr atrás dela e a encontra-la antes de entrar em seu quarto. A seguro pelo o braço e envolvo meus braços em volta dela, enquanto Rafaela me empurra e fala entre soluços o quanto eu sou um idiota.

— Desculpa Rafa... Desculpa...

Peço quando a escuto chorar enquanto meu peito se despedaça em mais de mil pedaços; todo mundo tem o coração quebrado, inclusive, o meu foi despedaçado pelo o meu próprio pai. E foi apenas aos treze anos de idade. 

Rafael RafaelaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora