[17] rei do oceano

2.3K 305 15
                                    

         Quando se pensa em liberdade, o que vem à cabeça de muitas pessoas é: fazer o que quiser, na hora que quiser. Sem se importar de dar satisfações para qualquer outra pessoa além de si mesmo.

Eu também pensava assim, até conhecer a verdade.

Liberdade é muito mais de ir e vir, a toda hora e a qualquer momento.

Liberdade é como um estado de espirito para você mesmo. É como você rege sua vida.

É como eu quero regir a minha.

Posso dizer com toda certeza que existe, que desde que nasci, meu pai já tinha planejado todo um futuro para mim. Eu iria crescer, entrar na faculdade de Direito, me encantar com a área de direito tributário, ou então criminal e levaria a empresa, o negócio da família, para frente.

Mas descobri aos dez anos, que isso não era o que eu queria.

Eu queria mais do que ficar em uma sala o dia inteiro, lendo e relendo papeis para defender pessoas – que as vezes – não deviam ser defendidas. Queria mais do que acordar as seis e meia da manhã, tomar um café da manhã apressado enquanto lia o jornal e depois seguir para o escritório onde só sairia de lá depois das cinco da tarde.

Eu queria o mundo. Ver o sol nascer e se por. Queria ver pessoas de verdade e não só quem me pagava por uma hora. Eu queria ajudar pessoas e soube disso apenas com dez anos, enquanto minha mãe me levava apressado para o hospital depois de ter me afogado enquanto brincava com Rafaela na praia.

Era um sábado de sol e minha mãe disse que devíamos aproveitar e matar a saudade da tia Clau e da Rafa, já que fazia algumas semanas que nós não nos víamos. Ela insistiu para que meu pai fosse com a gente, mas em uma ligação de última hora, ele preferiu ir ao escritório para resolver mais algum problema de alguém que pagava suas contas.

Meu pai nunca foi um exemplo de bom pai.

E isso eu e todo mundo que o conhecia, sabia disso.

Ele poderia ser um bom advogado; Um bom empresário; Mas não um bom pai, muito menos um bom marido.

E enquanto eu tentava mostrar para Rafaela que ela não deveria ter medo do mar, uma corrente marítima me puxou e começou a me arrastar para dentro do oceano. Fui levado para metros e mais metros da areia da praia enquanto ouvia Rafaela, mamãe, tia Claudia e tio Ricardo gritarem por mim e pelo o salva-vidas que estava por perto.

Depois de tanto engolir água, acordei em um quarto de hospital com Rafaela com o nariz vermelho feito a rena do Papai Noel ao meu lado e coberta com sua toalha da Minnie que eu havia dado de presente em seu último aniversário. E quanto ao meu pai... Ele ainda estava no escritório. Não com um cliente ou algo do tipo, mas sim com outra mulher.

Quando eu consegui me acordar realmente e despertar todo o meu corpo, uma mulher baixinha e de grandes óculos redondos veio me ver. Ela se chamava Valeria e era a médica que havia me atendido. Disse que eu havia sido um garoto muito forte e bastante valente para ter lutado com o rei do mar enquanto ele me puxava para dentro de sua imensidão. Disse também que eu havia lutado tanto, que acabei me tomando seu lugar e um garoto bastante forte depois daquilo. Mas meu medo da água havia me causado um trauma que ainda iria me perseguir durante anos.

Quando eu voltei para casa, não vi mais a doutora que me atendeu, nem mesmo ouvi falar mais dela, mas daquele dia em diante, eu sabia o que eu queria ser.

Queria ser livre de toda a papelada que meu pai lidava diariamente e iria ser que nem aquela senhora baixinha que me atendeu. Livre para ser feliz fazendo o que eu mais queria e o que ela mais me incentivou a fazer, mesmo sem saber.

Cuidar dos outros; Cuidar de quem precisava.

Com o tempo passando aquela vontade só fez aumentar cada vez mais e mais dentro de mim, até chegar onde eu estava hoje. Dentro de um avião, viajando para um país pobre da África para colocar um sorriso de esperança e felicidade no rosto das crianças e adultos que viviam ali. 


Rafael RafaelaWhere stories live. Discover now