2.

1.9K 177 28
                                    


Cheguei desanimada na escola no dia seguinte. A conversa com meu pai tinha sido um balde de água fria. Eu sabia que como Braite eu tinha que fugir ao máximo de ter sentimentos ruins. Éramos treinados desde pequenos a emanar energia positiva, esperar o bem, sermos positivos e leves, tudo para concentrar energia e conseguir fazer magia, mas naquele dia estava difícil. Eu tinha me apaixonado por um Laluli e não podia nem sonhar em seguir adiante. Era um tragédia para mim, pois eu sabia que não devia querer me aproximar, sabia que ele não era para mim, tentava racionalizar, mas tudo o que eu queria era vê-lo novamente e estar ao seu lado.

Acabei me arrastando pela escola o dia inteiro de um canto para outro sem ânimo nenhum. É claro que não conseguia prestar atenção em nada e recebi algumas broncas por isso, mas fazer o quê, se tudo o que queria e pensava é que eu tinha que ser livre para namorar aquele Laluli lindo.

Foi na hora do intervalo que aconteceu. Meu Laluli esbarrou em mim. Isso mesmo! Ele esbarrou em mim! Eu me desequilibrei e caí no chão e ele correu para me acudir preocupado e eu sorri feliz feito uma completa idiota, não pelo tombo, mas por que finalmente ele estava perto de mim.

— Desculpe — ele disse puxando meu braço para me levantar. — Que sorriso é esse? — Ele perguntou rindo do meu sorriso espalhafatoso de Braite. Não consegui falar nada. — Braites sempre são positivos, mas até quando caem no chão? — ele perguntou se divertindo.

— Nem sempre somos tão positivos — consegui dizer por fim, meio sem graça, apenas para falar alguma coisa.

— Você está comigo na aula de laboratório de magia, não é? — ele perguntou com aquele sorriso discreto e lindo no rosto.

— Estou, já faz um ano e meio — disse sem jeito e irritada comigo mesma por não conseguir ser mais geniosa na resposta.

— Tudo isso? Uau! Uma hora tenho que me livrar dessa matéria — ele falou, mas percebi que seus olhos estranharam meu comentário. Ele deu um tapinha nas minhas costas como se estivesse se despedindo. — Tome cuidado ao andar por aí — ele brincou com aquele sorriso perfeito nos lábios. — Você estava bem distraída, viu?

Eu precisava falar. Eu tinha que dizer. Eu nunca tinha chegado tão perto dele. Lalulis e Braites interagiam muito pouco, separavam-se sempre que possível e a turma sempre cobrava distância. Logo acabaria o momento.

— Eu não consigo parar de pensar em alguém que não posso pensar — disse por fim, tomando coragem.

Assim que falei, alguma coisa se iluminou dentro dele, como se a felicidade tivesse tocado sua alma e ele ainda ficou mais lindo.

— Você não pode? — ele perguntou com seus olhos bem abertos como se não quisesse perder nenhum detalhe da minha expressão.

— Dizem que eu não posso — falei com um sorriso para ele.

— Você vai continuar pensando? — ele perguntou com os olhos brilhando.

— Todo instante — respondi.

Poucos segundos depois, Lola estava do meu lado aflita.

— Pam, você falou com ele? É isso? Você falou com ele? Você não pode, você é louca, não pode, não pode — ela falou desesperada.

— Ai, Lola, eu só esbarrei nele. Foi sem querer — disse olhando para baixo, mas sem conseguir esconder o sorriso que iluminava meu rosto.

— Pamela, Pamela! Pelas barbas de Merlin, nem pense em fazer uma coisa destas. Você vai arruinar sua vida, já pensou nisso?

— Vamos voltar para aula, Lola! Vamos logo — disse puxando-a pela mão, sem querer pensar no lado ruim do que poderia acontecer se eu ficasse com ele.

Demoraram dois dias para eu ter uma ideia brilhante: perder o bonde voador de volta para o gueto Braite.

Saí escondida do banheiro da escola. Não havia mais nenhum Braite na escola. Era eu e os Lalulis que aos poucos se iam também de volta às suas casas. Corri para a saída da escola na esperança de encontrá-lo e lá estava ele, o meu Laluli.

— Pamela, você perdeu o bonde voador? Nossa, não acredito... — ele falou com os olhos surpresos e alegres.

— Você sabe meu nome?

— Acha que é só você que pensa em mim? — ele falou, me puxando para um canto onde não seríamos facilmente vistos pelos Lalulis que ocupavam a saída.

— Eu achava que era só eu, mas eu também achava que você de alguma forma, bom, sei lá. Mas por que você nunca falou comigo antes?

— E como eu faria isso, Pam? — Ele me olhou com aquele olhar indefeso que eu adorava. — Pam, é assim que teus amigos Braites te chamam, não é? — perguntou, sorrindo.

Fiz que sim com a cabeça.

— E como seus amigos te chamam, Raul?

— De Raul mesmo — ele disse com aquele sorriso de canto maravilhoso. — Você sabe que está se metendo numa enrascada, não é? — ele pegou em minhas mãos.

Antes que eu pudesse responder, ele me deu um beijo de tirar o fôlego na boca, mal tinha me recomposto e ele se afastou rapidamente de mim.

— Eu precisava fazer isso. Não podemos perder os momentos que ninguém está nos vendo. Agora preciso ir — ele falou olhando para o relógio da parede.

Não consegui dizer nada, mas acenei para ele, que corria para estação de trem, certamente sorrindo feito uma boba, enquanto pensava em o quanto eu estava mesmo enrascada. Era evidente que eu tinha fracassado na minha missão de nunca ficar com ele, mas também nunca estive tão feliz em minha vida.

Voltei voando para casa. Não era só meu corpo que voava, minha mente também. Aquele beijo tinha sido demais. Sobrevoei toda terra dos Lalulis e fiquei pensando romanticamente em qual daquelas casinhas Raul morava. Queria poder vê-lo novamente, beijá-lo mais uma vez, abraçá-lo. Um sentimento como esse não podia ser ruim. Devia existir alguma exceção à regra que Braites e Lalulis não podem ficar juntos. Tinha que haver. O amor, eu sempre aprendi, é a força mais poderosa que existe, eu percebia quando praticava magia, por isso não é possível que eu não consiga com esse sentimento forte que sinto fazer alguma coisa para vencer os obstáculos. Era muito cedo, eu sabia. Mas a linguagem do coração não me deixava duvidar que aquele Laluli era para mim. É alguma coisa que o coração sabe. Aquele beijo tinha sido muito mais que um beijo. Eu podia sentir que existia alguma coisa forte entre a gente.

Era complicado, eu sabia. Dessa vez ninguém tinha visto nada. Raul cuidou disso para me proteger, para que ninguém nos visse. Dessa vez também eu conseguiria inventar uma desculpa qualquer para minha mãe sobre meu atraso. Mas como seriam das outras vezes? Como conseguiríamos nos esconder do mundo? Essas perguntas me afligiam, mas nada era mais forte que a lembrança do seu beijo.

Tudo o que eu conseguia pensar era na sensação maravilhosa que foi tê-lo por instantes, o jeito ousado como me levou para aquele canto e me puxou para perto dele, como ele era ainda mais lindo de perto. Ah, tô apaixonada, tô enrascada mesmo, completamente.

#ACREDITE (VENCEDOR DO #THEWATTYS2018)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora