12.

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A ponte de cristal era linda de noite. Sempre amei aquela magia desde muito garotinha. Os braites sempre nos pegaram pelos olhos. Foi um braite não sei em que ano que conseguiu acender uma luz que lembrava uma vela dentro de um cristal. Dali para frente sempre que se podia se usava cristais no mundo braite, pois eles tinham um efeito de iluminação de se admirar. Quem poderia imaginar que um dia e Raul descobriríamos muito mais que isso.

As pessoas começaram a chegar embaixo da ponte, a maioria jovem demais, mas havia velhos lalulis com brilho no olhar, otimistas de um futuro que sempre lhes foi negado. Eu que achei que pareceria uma laluli por conta das roupas pretas estava enganada. Na multidão que estava ali não era mais possível identificar quem era laluli e quem era braite. Havia uma mescla de cores escuras com cores brilhantes e coloridas, todos tinham o mesmo brilho no olhar. Estava acontecendo. Estávamos virando um único povo.

Escutei uma voz dando boa noite a todos. Olhei para o palanque improvisado e era Raul.

— É muito bom saber que estamos todos aqui como só um povo. Os tempos mudaram, mas não são todos que perceberam isso ainda... Logo acordarão para essa nova realidade. Não há nada que impeça vocês, chamados de lalulis, de praticarem magia de transformação. — Raul direcionou suas mãos para a ponte de cristal e as luzes ficaram roxas como seus cabelos. Escutei a plateia ovacionando Raul. Queria muito ir lá abraçá-lo, mas sabia que tinha que esperar o final. — Vocês também podem fazer isso. — Raul fez mais um gesto de mão que as luzes voltaram a ficar amarelas. — É só acreditarem. Por tempo demais, escutamos que não conseguiríamos fazer magia de transformação e, por isso, nunca conseguimos. Acreditar é fundamental. Vocês precisam se livrar de tudo aquilo que sempre foi dito sobre lalulis e braites. — Raul encarou uma parte específica da plateia. — Braites e lalulis não existem. Somos só um. Vocês que são chamados de braites e que estão aqui hoje. Saibam que foi um erro sempre se pouparem de tudo. Agora vocês precisam correr atrás do prejuízo e viverem a vida com sua máxima intensidade, com todas suas dores. Pam, vocês sabem da história, se arriscou e como eu pode fazer todas essas magias que foram julgadas difíceis demais. Ela voltará do exílio em breve e se juntará a mim neste palco.

Quando Raul disse isso, eu senti toda sua saudade e seu amor de uma maneira profunda. Lágrimas escorriam dos meus olhos sem que eu pudesse pará-las. Foi assim que eu levitei. As pessoas à minha volta começaram a olhar admiradas. Eu devia parecer uma laluli levitando. Raul também ficou me olhando admirado. Ele ainda não sabia que era eu. Fui voando até o palco e, quando estava próxima, ele notou que era eu. Ele levitou até mim e me beijou no ar, como fizemos aquela vez na nossa casa.

— Você está poderoso — disse no seu ouvido.

— Você também — ele riu. — Como conseguiu fugir do exílio?

— Acho que você sabe.

Ele sorriu e me abraçou forte.

— Estão todos nos olhando — disse a ele.

— Tem razão — ele riu, segurou na minha mão e encarou a plateia mais uma vez. — Pam conseguiu escapar do exílio!!! Essa é Pam. — Ele ergueu meu braço e a plateia urrou empolgada. — Ela conseguiu!! Fez isso por que ela acreditou, eu acreditei e vocês acreditaram que aconteceria. Juntos somos um e podemos muito. — A plateia ovacionou com vontade. — Ela é uma mágica poderosa, eu sei, mas é por que ela acredita nisso e todos nós acreditamos também. Todos vocês podem ter essa magia, mas precisam acreditar e viver a verdadeira vida. Braites, chega de se pouparem. Façam tudo, vivam tudo. Lalulis, chega de se vitimizarem. Vocês podem! Podem tudo. Vejam nós. — Raul levitou e me convidou a fazer o mesmo e eu levitei até ele.

Raul passou o microfone para mim. Fiquei quieta por alguns instantes. Não sabia o que dizer. Deixei meu corpo relaxar e me preocupei apenas em dizer o que eu sentia a eles.

— Eu sofri como nunca imaginei sofrer nessa vida. O exílio é solitário. E a certeza da solidão eterna pode enlouquecer qualquer um. Todo esse sofrimento, no entanto, foi, no final, maravilhoso por que eu me superei. Sabem, os músculos não são esculpidos se ficarmos deitados no sofá. Nossa força vem do nosso sofrimento e da nossa superação. E é por isso que digo a vocês que precisam viver a vida intensamente e de tudo que viverem colherão os frutos de acordo com sua capacidade de serem intensos em cada partícula do seu ser. — A plateia aplaudiu de pé. — Eu e Raul nos entregamos a vida de verdade e a vida se abriu para nós. Nada mais é necessário do que esse instante. — Olhei para Raul e ele entendeu o que eu queria fazer. — Vamos levitar — gritei empolgada. Imediatamente Raul e eu movimentamos nossas mãos para sustentar toda a plateia no ar. — Os limites estão só nas nossas cabeças. Nunca acredite neles. — A plateia começou a rir e deixamos por alguns instantes eles flutuando. Depois os colocamos de volta ao chão. — Vocês podem levitar se quiserem. Eu acredito em vocês, mas e vocês acreditam? Vocês precisam acreditar. Vamos mudar o mundo juntos!

Raul me olhou e eu lhe entreguei o microfone. Ele fez o microfone desaparecer.

— Podemos contar com vocês para espalharem a mensagem? — sua voz ecoava por todos os lados daquela ponte.

Fiquei feliz de espalhar a mensagem com Raul. Eu acreditava em tudo que dissemos.

Raul me levou para seu esconderijo nas terras lalulis. Era bem jeitoso apesar de saber que ele vivia de mudança para não ser encontrado. Ele me abraçou e me segurou no colo. Eu me deixei levar. Foi maravilhoso tê-lo entre meus braços. Tudo valia mesmo a pena. Ficamos juntos como se não houvesse amanhã. Ele fez um lanche para mim sem usar magia como nos velhos tempos. Acho que adivinhou que fazia tempo que eu não comia nada.

— Raul, você largou a escola? — perguntei entre uma mordida e outra. Era a pergunta mais idiota que podia ter feito, mas eu queria ter certeza.

— Claro. Sou foragido, como você. Mas o que eu e você aprendemos, — ele disse pegando em minhas mãos — o tipo de magia que estamos praticando, nunca aprenderíamos lá.

— Eu sei. É fascinante, né? — Dei mais uma mordida no sanduíche. — Está uma delícia. Obrigada — agradeci aquele lanche maravilhoso.

— Muito incrível — ele falou empolgado.

— O que você acha que é? — perguntei curiosa.

— Eu saber que sou capaz. Sabe, foi você quem me ensinou isso — Ele roubou uma mordida. — O que você acha?

— Tem esse lance de acreditar que é quase tudo e que para você fez toda diferença, pois nunca deixaram você acreditar — falei devorando o que ainda restava do sanduíche. — Mas há algo a mais, que você me ensinou, que é a força da superação. Lalulis aprendem com o sofrimento e conseguem mesmo em meio ao caos praticar magia, os braites queriam sempre tudo bem e leve para terem poderes. Mas a vida tem muito mais a oferecer do que nos trancar no conforto do gueto dourado dos braites. Foi sofrendo em terras lalulis, longe dos meus pais, e depois no exílio, longe de todos vocês que eu me fortaleci de verdade. Acho que tudo o que eu e você sofremos nos tornou mais fortes.

— As pessoas também acreditam em nós — Raul constatou confiante.

— Isso também ajuda muito. Toda essa energia positiva. Mas se não acreditarmos não seríamos diferentes dos outros braites e lalulis que um dia se amaram...

— Se você não acreditar, ninguém vai... — Ele ponderou e afagou meus cabelos curtos.

Abracei Raul forte.

— Eu quis tanto você. Só por isso estou aqui.

— Eu senti — ele disse sorrindo.

#ACREDITE (VENCEDOR DO #THEWATTYS2018)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora