14.

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A garota de cabelo rosa me deixou bem na porta da casa daquele juiz laluli. Caminhei convicta até a porta. Estava aberta e entrei. Senti algum pressentimento ruim no momento que coloquei os pés ali. Era como um alerta.

— Você sobreviveu — ele constatou sem emoção.

— Onde está Raul? — perguntei

— Vocês foram presos, como você sabe muito bem.

— Por quê? — gritei com raiva daquele tom de voz que ele usava. Era como reviver todas as dores.

— Por que você não nos salvou? Você sobreviveu... — constatei confusa.

— O mundo precisava da sua morte e da dele também. É só olhar lá fora. Se vocês tivessem vivido, a revolução não teria tanto sucesso.

— Mas já passou tanto tempo... Você podia ter nos resgatado...

— Você não entende — ele falou com um sorriso convencido no rosto. — Já não importava se estivessem vivos ou mortos. O mundo é hoje como sempre devia ter sido.

— Você não podia ter feito isso com a gente — falei com ódio.

— Mas é só ver o que conquistaram mortos — ele levantou e caminhou até mim.

— Onde está Raul? — perguntei irritada.

— É bom que pelo menos um de vocês continue morto — ele disse perto do meu ouvido.

— Pare com isso ! — gritei. — Diga logo.

— Não é bom para o mundo — ele ponderou.

— O mundo já mudou! — gritei.

— Mártires são mártires. São suas mortes que sustentam a paz.

— Pare de falar besteira, ninguém tem o direito de exigir o sacrifício de ninguém. Nossa vida é importante tanto quanto a do mundo. Essa história não pode ser sustentada pelo sacrifício. Não é nesse tipo de incompreensão que eu acredito — falei com raiva.

Ele começou a rir como se eu tivesse dito algo engraçado. Quando vi, eu tinha grudado o sujeito no teto e estava o asfixiando. Talvez ele precisasse que eu mostrasse minha força para me respeitar. Pensei em soltá-lo, mas precisava saber de Raul. — Fale logo. Você vai morrer se não falar. — Ele levantou a mão e eu parei de sufocá-lo, mas o mantive preso ao teto.

— Como você fez isso? — Foi minha vez de rir. Não ensinaria uma magia poderosa feito essa a alguém que queria meu Raul morto. —Ele está numa cela como a sua na mesma prisão.

— Onde é a prisão?

— Você não sabe? Ele constatou curioso. — Balancei a cabeça.

— Eu me teletransportei.

— Teletransporte de volta para lá...

— Me leve até lá — ordenei furiosa.

— Nunca me disseram onde era a prisão. Os outros juízes braites nunca confiaram totalmente em mim.

— Parece que eles tinham razão. Você é o único que sobreviveu.

— Eles também tinham que morrer — lá veio ele de novo querendo sacrifícios.

— Não fale mais desse jeito ou eu posso me convencer que você teria que ter morrido junto — debochei.

Eu o soltei do teto e saí daquela casa. Não queria perder um segundo a mais da minha vida com um tipo feito aquele. Ele tinha a ideia que sacrifícios tinham que ser feitos para um bem maior. Eu discordo. Não temos que erguer um mundo de amor e compreensão em cima de sepulturas. Cada vida tem seu valor. A cabeça daquele homem mandava em seu coração e vidas para ele não representavam nada. Ele não via a magia que tinha em cada ser vivo. Era triste demais abrir mão como ele abriu do sentir. Ele nunca seria capaz de magia alguma sem força no coração. Por isso, não senti medo algum quando dei as costas àquele sujeito que achava melhor eu estar morta.

Eu nunca conseguira me teletransportar de volta àquela cela. Meu coração me queria muito longe dali. Meu coração, comandante da minha magia, não permitiria. Mas se Raul estava lá, eu precisava...

Voei até em casa para ter tempo de espairecer um pouco.

Contei tudo aos meus pais.

— Ele acredita que você seja poderosa demais para estar viva — falou meu pai receoso.

— Não pai, ele só acha que a minha morte e a de Raul garantiriam a paz.

— É muita frieza.

— Lalulis sempre foram mais racionais — minha mãe comentou.

— Não fale assim, mãe. Não é por ele ser laluli, mas por que ele é frio e ponto final. — Minha mãe me olhou sem graça. — Eu entendi o que quis dizer, mãe. Não se preocupe. Eu só quero encontrar Raul — falei e segurei forte em sua mão.

— Vamos dar um jeito — minha mãe também segurou forte em minha mão e depois segurou na mão de meu pai e ele na minha.

— Vamos — ele sorriu.

— Só precisa ser logo — soltei minhas mãos e os abracei.

Passei muitas semanas tentando me convencer a voltar àquele lugar horroroso, mas meu coração apertava tão forte que chegava a doer. Não adiantava me enganar meu coração nunca deixaria eu me teletransportar de volta para aquele lugar. Era inútil. O trauma tinha sido forte demais e meu coração sangrava. Talvez demorasse tempo demais para diminuir o trauma. Eu amava Raul. Eu achava que eu o amava mais que tudo na vida, mas eu percebi que o amor que tinha à minha própria vida era ainda maior e aquela luta era absolutamente inglória. 

#ACREDITE (VENCEDOR DO #THEWATTYS2018)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora