|02| sinal de confiança

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Não sei o que se passa pela cabeça do garoto, não sei o que fazer e não sei nem ao menos se me importo com isso, mas acredito que minhas pernas tremendo são a prova clara de que sim, estou assustado.

Não quero bancar o grande herói porque na verdade não sou porra nenhuma nessa vida, mas tudo que faço diante da cena angustiante é largar a mochila com a bebida cara no chão onde estou mesmo, sentindo minhas pernas me guiando até o destino que não escolhi. Não quero me aproximar, mas já estou perto o bastante.

E o desgraçado é bonito pra caralho. Bonito e desatento.

Tenho vontade de socar sua cara porque eu nem cheguei e já sei o quão movimentada é essa rodovia, mas o bonito aparentemente prefere enfiar a cara numa tela de celular enquanto um carro estraga sua vida. E lá vou eu.

Corro até alcançar sua cintura fina dentro da camisa larga do Pink Floyd, e por algum motivo desconhecido e meio apavorante, seu corpo cabe certinho dentro do meu abraço, mesmo que sua altura seja claramente superior e que seu corpo seja mais definido que o meu. Que se foda, eu todo pequeno aconchego o grandão em meus braços, me jogando na direção oposta do carro desgovernado, caindo desastrosamente no meio fio, respirando com dificuldade após salvar o homem enquanto o carro explode ao se chocar contra outro automóvel.

Perfume gostoso, corpo delicioso e um rosto apavorado. Que mistura de sensações.

Não sei o que pensar quando seu rosto se vira na direção do meu, suas íris brilhantes e sua expressão de medo encontram meus olhos tão atentos. Eu ainda estou o abraçando, mas agora a troca de olhares me deixa um pouco inerte à tudo ao redor.

Ele não parece indefeso, bem pelo contrário, entretanto sinto vontade de permanecer aqui, enroscado no seu corpo porque por pouco algo bem pior não aconteceu. Foi questão de milésimos de segundos, e não sei porquê diabos estou aqui exatamente nesse momento, mas parece algo realmente predestinado ou coisa assim.

Ele, pela primeira vez, me agracia com sua voz doce ao dizer: — Eu quase morri.

E sim, isso realmente quase aconteceu, e nossa, que voz gostosa e contrastante com seus trajes completamente opostos. Camiseta preta de banda antiga, calça larga da mesma cor com bolsos e um maldito coturno que poderia chutar minha cara e eu agradeceria. Sério, tudo nele é absurdamente impecável, por mais que passe esse ar de desleixo.

Eu, sem certeza alguma do que dizer depois disso tudo, apenas concluo em poucas palavras: — Você quase morreu.

Sinto sua palma quente encontrar meu rosto, seu polegar tateia minha bochecha e nossos olhos não se desconectam nem por um segundo. Que se foda se um carro sem controle colidiu com outro, se alguém morreu ou se há destroços para todos os lados.

Esse segundo de puro contato mútuo me desestabiliza e perco qualquer tipo de controle quando, ainda sensibilizado pelo quase acidente, ele diz:

— Eu estou te devendo uma pelo resto da vida. Diz, garoto, o que você quer?

Eu, sorrindo meio incrédulo, respondo: — Qualquer coisa?

— O que você quiser.

A cara dele esbanja que tem grana, e talvez não soe absurdo dizer o que acabo dizendo a seguir:

— Quero um lugar para dormir.

Ele, sem entender, pergunta: — O que?

— A partir de hoje eu não tenho onde morar.

Não sei o que acontece a seguir, e sua resposta é totalmente contrária ao que eu esperava ouvir. Respirando ainda meio atordoado, ele encara novamente as chamas próximas e os policiais retirando o corpo já sem vida de dentro do carro, me dizendo com a voz rouca que perdeu toda a doçura em questão de segundos:

HELLISH • jjk x pjmWhere stories live. Discover now