Passado

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-Já disse que não preciso ser salvo - Naruto exclamou alto em um grito repentino, mas logo a realidade o assombrou. - Me desculpe, eu não devia ter gritado.

Olhou para o chão envergonhado, e a criatura à sua frente não deixou de pensar em como parecia lidar com uma criança. Naruto oscilava de humor e parecia esquecer muitas das vezes o que ele estava sentindo.

E na verdade, a pequena fada nunca teve muitas oportunidades de expressar o que sentia e de crescer emocionalmente, então muitas vezes não conseguia se manter chateado ou estressado, é como se ele esquecesse do que machucou ou o que lhe chateou, até que a coisa voltasse a perturbá-lo.

- Senhor demônio... Eu não preciso ser salvo - Naruto falou delicado, com um ar de vergonha e ressentimento. - Eu estou completamente bem, eu estava chorando, mas era por... Ei, você também estava chorando.

Franzindo o cenho, achando graça da ingenuidade do outro, a criatura de olhos vermelhos cruzou os braços novamente, com um ar de superioridade.

- Eu não choro. - sentenciou sério. - Mas você sim, e infelizmente minhas emoções estão ligadas às suas.

Alguns segundos se seguiram até a fada esboçar reação.

- Você não é bom mentindo - o loiro riu. - É normal, todos nós choramos, fadas, sereias, duendes e até demônios.

- Naruto, eu não tenho motivos para chorar - sentenciou de novo.

- Como você sabe meu nome? Eu não sei o seu, isso é meio injusto - Naruto olhou para seus próprios pés. - Estou meio cansado de ficar aqui em pé com medo de você, posso me sentar, por favor? Você vai fazer alguma coisa comigo?

- A casa é sua, não é?! Você senta se quiser e levanta se quiser. - ele disse sério.

- Eu quero que você vá embora, senhor demônio - Naruto pediu tímido. - Eu estava... Estava em um momento delicado, só queria estar sozinho agora.

- Você nunca está só. - Com um suspiro impaciente, a criatura se afastou de Naruto, sentando na ponta de sua cama.

A luz prateada da lua que estava entrando pela janela tocou a pele do demônio, deixando-a num tom pálido e brilhante; os olhos vermelhos pareciam mais vividos. Uma visão realmente bela, Naruto se viu hipnotizado e atraído.

- Na verdade, eu sempre estive sozinho. Minha mãe me deixou recluso em casa bem cedo, e depois de um tempo me mandou pra esse chalé e desde então eu vivo aqui, sozinho. - Naruto explicou rapidamente.

- Eles te explicaram o motivo de você estar recluso? - sentado mais à vontade com as costas apoiadas nas madeiras da cama, a criatura perguntou.

- Sofri ameaças quando era criança, o reino das fadas está à beira de uma guerra civil, ou algo assim, e meu pai trabalha na corte, todos estão tomando medidas para proteger suas famílias, principalmente pessoas da corte.

- E você acreditou? - o demônio indagou.

- Meus pais não mentiram pra mim - Naruto disse enquanto andava até o lado oposto da cama onde o demônio estava. - Óbvio que eu acredito neles.

- A guerra está na porta das fadas desde o dia em que o rei Hiruzen ordenou o extermínio de mais da metade do clã Hyuuga, há cinquenta séculos atrás. - A criatura se endireitou, explicando com um ar sério. - Você sabe quem são os Hyuuga, pequeno girassol?

O apelido saiu com puro sarcasmo.

- Senhor demônio, você está desinformado - o loiro riu, ignorando o ar de superioridade que emanava do outro. - Os Hyuuga são um clã muito importante de videntes que vivem aqui no reino das fadas, faz séculos.

Naruto ia começar a explicar calmamente como funcionavam as ramificações e as divisões, mas o demônio o interrompeu.

- Fazem 49 séculos que eles vivem aqui. Pós extermínio, só sobrou uma família com duas ramificações, eles foram presos aqui no reino das fadas. Foi uma boa estratégia de guerra, ter pessoas que prevêem o futuro é uma boa vantagem.

Naruto riu incrédulo.

- Mamãe me disse que vocês demônios mentem bem, mas isso foi mais do que bem, eu quase acreditei - Naruto riu meio sem graça.

- Você já viu algum relato de Hyuugas saindo da colina em que moram? - calmamente o demônio perguntou.

- Eles preferem viver uma vida reclusa - rebateu rapidamente.

- Como você prefere uma vida reclusa? - e uma resposta veio muito mais rápida do que Naruto esperava.

- Senhor demônio, por que falar dos Hyuugas agora? Estávamos falando do motivo de eu estar recluso - Naruto desviou o assunto. - E eu não odeio essa vida, só é meio entediante.

- Entendo - o demônio ficou de pé. - Eu sinto sua confusão daqui, talvez você deva lembrar do passado - Ele se aproximou do loiro.

- Lembrar do passado? - perguntou olhando para a figura alta. Para Naruto, o demônio não falava nada coerente, pulava de um assunto para o outro.

O demônio se aproximou, levando os dedos grandes pálidos à bochecha da pequena fada. Em um suspiro de susto, Naruto tentou se afastar ao sentir a mão gelada em suas bochechas, mas sem sucesso. Os grandes olhos azuis se hipnotizaram nos olhos vermelhos sangue do demônio, três pontos pretos começaram a girar em torno dos olhos e tudo ficou escuro na mente de Naruto.

O chalé ao seu redor parecia desaparecer, substituído por imagens fragmentadas e emocionalmente carregadas de sua infância. As lembranças, uma vez pacíficas, tornaram-se turbulentas, como se uma tempestade revirasse as águas calmas de sua memória.

Cenas de conflito e confusão surgiram, acompanhadas pelo eco de vozes exaltadas e palavras afiadas. O coração de Naruto batia forte, relembrando momentos de medo e insegurança que marcaram profundamente sua juventude. As imagens eram vívidas e dolorosas, como se estivessem sendo revividas naquele momento.

No entanto, entre os momentos tumultuados, também havia lampejos de alegria e carinho, como raios de sol lutando para penetrar nas nuvens escuras. Lembranças de sorrisos tímidos, abraços reconfortantes e pequenos gestos de amor se entrelaçavam com as lembranças mais sombrias, criando uma complexa tapeçaria de experiências.

E então tudo voltou ao normal, enjôo tomou conta de Naruto e seus olhos encheram de lágrimas, a confusão lhe dava vontade de chorar.

- O que era isso? O que você fez? Nunca mais encoste em mim - a fada assustada afastou-se novamente do demônio tentando regularizar as batidas de seu coração

- Eu te dei liberdade para lembrar, lembre-se, Naruto. Eu já estive aqui - em um suspiro cansado, o demônio volta a sentar na ponta da pequena cama de Naruto

- Demônio... Senhor demônio, eu não o conheço, por favor, vá embora e me deixe em paz - Naruto suplicou

- Você subiu em uma árvore, uma árvore tão grande que não conseguia enxergar o topo. Você se assustou com os gritos de sua mãe e acabou caindo quando tinha apenas cinco anos. Ficou desacordado por dias enquanto se curava "milagrosamente". Quando finalmente acordou, começou a ver coisas que os outros não viam, e tinha medo de dormir sozinho por sempre escutar vozes que falavam com você - o demônio falou, impaciente.

- Depois disso, você passou a acordar em lugares ao redor de sua casa, sempre com a sensação de que alguém o abandonara enquanto dormia.

- Isso não faz sentido, eu não me lembro de nada disso, senhor demônio, eu... - Naruto lutava contra lembranças que tentavam emergir.

- Um dia, você dormiu sozinho em seu quarto e acordou em um lugar estranho, e alguém o guiou de volta aos arredores de sua casa - a criatura tentou novamente.

- Você... Por que está me contando tudo isso? - a fala da fada foi interrompida por lágrimas, expressando confusão e desespero.

- Eu salvei você diversas vezes, me aproximei de você inúmeras vezes, mas seus pais sempre o tiraram de mim - disse o demônio com uma notória raiva na voz - E você é meu, Naruto, você sempre foi.

Demônio Interno Where stories live. Discover now