Lar

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O loiro parecia em transe, um bombardeio de lembranças da sua infância que veio à mente como sonhos distantes. O ar ficou pesado, e sua respiração falhou por alguns segundos. "O que está acontecendo?", a mente da pequena fada girava com perguntas não respondidas, e tudo ficou escuro.

Horas depois, o Uzumaki abriu os olhos, sua cabeça latejava tentando lembrar o que havia acontecido. Percebeu que estava em seu quarto, deitado na cama e coberto pelo seu cobertor, sem sinais de demônio invasor por ali. Naruto se permitiu respirar aliviado; foi tudo um sonho bobo da sua mente quebrada pelo abandono, mas suas esperanças se esvaziaram quando escutou barulhos em sua cozinha.

De forma cautelosa, a fada saiu da cama num pulo silencioso, calçou suas pantufas e foi devagar em direção à cozinha. Ao chegar na sala, teve uma visão da janela e viu o escuro da noite ainda ali. "Ótimo," Naruto pensou, enraivecido, "poderia ficar mais assustador?"

- Você acordou - a voz não vinha da cozinha; a figura do demônio, que até então Naruto achou ter apenas sonhado, estava falando atrás dele, de uma maneira tão próxima que a fada sentiu o hálito quente no seu ombro.

- Não me assuste desse jeito - Naruto se afastou, ficando de frente ao demônio. Talvez ele já tivesse se acostumado com a figura maligna à sua frente.

- Não foi a intenção - o demônio respondeu, resiliente. - Venha, fiz algo para você.

O ser recolheu as asas ao passar por Naruto e foi em direção à cozinha, esperando que o outro o acompanhasse. Chegando lá, devidamente acompanhado, o moreno apontou para um bule de chá do qual saía uma fumaça com aroma desconhecido pelo menor.

- Você me fez chá? - O loiro franziu as sobrancelhas, tentando decifrar a boa ação do demônio. Sua mãe o tinha ensinado a sempre agradecer gentilezas, mas também sempre o disse para suspeitar de demônios.

- Sim, pensei que gostasse dessas coisas... Seu chalé cheira a plantas - o demônio tentou se explicar, talvez nem ele acreditasse no que fez. - Não seja mal-agradecido e venha tomar seu chá.

O tom de ordem assustou o mais novo. Com passos lentos e hesitantes, a fada sentou-se na cadeira da sua pequena mesa e serviu-se do cheiroso líquido.

- Daqui a poucas horas irá amanhecer, você precisa decidir, Naruto. - o demônio, que estava em silêncio vendo o outro degustar aos poucos do chá, disse de forma firme.

- Eu não posso ir com você, não o conheço e eu tenho meus pais... - a fada começou a falar em grande desespero - Por mais que eu não goste de ficar aqui preso e sozinho, eu nunca deixaria meus pais.

O demônio não conseguia compreender Naruto. Ele nunca tivera um pai amoroso, afinal, era um demônio de classe muito alta, e sentimentos eram apenas mais uma fraqueza; os grandes demônios não têm fraquezas. Então, naquele momento, ele percebeu a dimensão das diferenças que os dois partilhavam: Naruto era uma pequena e sentimental fada, um pequeno broto desabrochando aos poucos.

- Eles não voltarão - O demônio disse, frio e sem muito espaço para discussões. - Eles prenderam você aqui, tiraram sua comunicação e sua liberdade, Naruto. Eles podem até amá-lo, mas eles nunca lhe darão a liberdade que você quer.

A linda e delicada xícara quebrou, fazendo um baque surdo e tirando sangue das mãos da fada. Ele tinha apertado com tanta força entre os dedos que os cacos penetraram fundo em seus dedos. Em um silêncio quase torturante, o loiro se levantou e foi até a pequena pia para lavar suas mãos e retirar os vidros.

- Não irei com você - disse firmemente depois de lavar seus machucados. Sasuke se aproximou, segurou as pequenas mãos de Naruto da forma mais delicada que conseguiu e o envolveu em um poder quente com tom alaranjado; logo, os machucados fecharam e cicatrizaram, sem deixar uma marca evidente.

- Você virá comigo, Naruto, ou eu levarei seus pais comigo como meus prisioneiros por seus crimes, e se isso não me satisfazer, irei tirar pedra por pedra da grande cidade, até encontrar o culpado por ter usado você para me ferir - Era uma ameaça séria; o rosto do mais alto era impassível de qualquer expressão, seus olhos eram gelados e traziam uma profunda raiva.

- Olha, senhor demônio... - Naruto, para a surpresa do mais alto, carregava uma expressão de raiva no rosto, com as loiras sobrancelhas juntas em uma faceta de desgosto. - Irei com você então.

E o silêncio perdurou por um tempo. Tinha algo errado com a pequena fada; ele aceitou de forma rápida, mesmo que sua expressão dissesse algo como "Vá embora, seu demônio folgado". O pensamento fez com que o moreno quisesse rir; era engraçado pensar que de forma ingênua Naruto poderia realmente estar pensando isso. Com as mãos ainda envolvendo as do loiro, o demônio o olhou nas pupilas dilatadas e disse:

-Prometo que irá gostar mais do que espera. Não o levo como prisioneiro; o levo como um convidado, e se quiser um dia, faça do meu castelo a sua moradia.

- Prometa... - a voz era sussurrada. - Prometa que se eu não gostar de sua casa você me trará de volta.

- Eu prometo - o demônio respondeu firme e sem muita hesitação. - Você ficará até o solstício de inverno e, se quando chegar o dia, você quiser voltar, o trarei.

E uma luz fraca, mas perceptível, brilhou aos pouquinhos como fios de um carretel de linha de costura. A fina linha azul se entrelaçou entre as mãos dos dois, que ainda estavam unidas, e depois sumiu deixando só a sensação de telas ali.

- O que foi isso? - o loiro olhou o outro espantado, podendo perceber a feição de surpresa pintar por alguns momentos o rosto do demônio.

- Você fez um encantamento de promessa. Não foi proposital? - o demônio perguntou, mas vendo o rosto confuso do Uzumaki, parecia óbvio que não foi de propósito. - Bem, estamos começando a conhecer você melhor. Vamos embora de uma vez.

- Espere, preciso pegar algumas coisas - o loiro responde com urgência, pois já via a sala brilhar em vermelho.

- Você terá tudo e mais o que você quiser lá - respondeu o demônio orgulhoso.

- São pessoais, eu quero levá-las - a fada respondeu choramingando e soltando as mãos do outro. - Por favor...

- Vá, pegue o que você desejar.

Minutos mais tarde, Naruto voltou com uma linda maleta cheia de coisas especiais para si, e engolindo em seco, ele chamou a atenção da figura maligna.

- Podemos ir - informou, inseguro de encontrar raiva no demônio por fazê-lo esperar.

- Tem tudo que você quer aí? - ele recebeu a confirmação em um acenar de cabeça. - Ok.

A sala girou em vermelho e preto, fazendo Naruto ter uma leve tontura. Alguns segundos passaram até Naruto estar de pé em meio a um canteiro e de frente a um enorme castelo, tão alto que parecia tocar o céu. Era um início de manhã agradável, não tinha o barulho dos pássaros, apenas do vento soprando a copa das árvores.

- Vamos, vou lhe mostrar seu novo lar - o demônio o guiou em direção ao majestoso castelo.

Demônio Interno Where stories live. Discover now