[Capítulo 3] Miguel

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O dia se arrastou como se fosse feito de 72 horas, e eu só consegui terminar o que precisava fazer quando já estava escuro do lado de fora das minhas janelas. Esfreguei os olhos cansados e chequei uma última vez o chat da empresa para ver se havia alguma mensagem não lida. A única pessoa ainda online era minha sócia e ex-melhor amiga. Eu podia não suportar nem respirar o mesmo ar que ela atualmente, mas precisava admitir que o Miguel do passado estava certo quando a convidou para construir o negócio com ele.

Donatello já tinha me avisado que esperaria no hall do prédio e estava impaciente, me mandando doze mensagens diferentes a cada minuto, apressando que eu descesse para encontrá-lo de uma vez. Eu queria tudo menos ir a um bar. Preferia mais uma sessão de boxe, como a de todas as manhãs, seguida de um banho longo e gelado antes de responder alguns e-mails e ir dormir.

Mas eu tinha prometido e infelizmente não tinha o hábito de voltar atrás na minha palavra. Laís tinha sido avisada e, como lhe era característico, não viu qualquer problema em não me ver naquela noite.

Guardando minhas coisas e apagando a luz da sala, eu atravessei o corredor da diretoria, encontrando a mesa da secretária de Zoe vazia e a porta encostada. Era possível ver, mesmo através das persianas, que ela ainda estava ali, debruçada entre pastas, contratos, gráficos e anotações. Tinha prendido os cabelos longos e escuros em um rabo de cavalo e aberto alguns botões da camisa social para ficar mais confortável. A correntinha que usava desde pequena, dada por seu pai no leito de morte, com uma pequena estrela de diamante, escorria pela abertura do tecido e era capturada por seus dedos de unhas bem feitas.

Mordi o lábio e balancei a cabeça, dando as costas imediatamente para parar de observá-la. Eu invejei a filha da puta por poder fazer mais horas e adiantar algumas pendências, enquanto eu era levado para um compromisso que pouco me interessava.

— Finalmente, caralho! — Don saudou, assim que eu emergi no térreo. — Achei que eu ia precisar subir lá e te arrancar pelas orelhas.

As risadas ao seu redor me comprovaram que ele não estava sozinho. Tomás, um grande amigo de faculdade que estava com a gente desde o início de tudo como diretor financeiro, também ia se juntar a nós.

— Também foi arrastado, meu amigo? — Perguntei pra ele, sabendo que igualmente não era do seu feitio sair para um happy hour em plena segunda-feira.

— Maria Clara foi dormir na casa de uma amiga, achei que mal não ia fazer. — Ele deu de ombros, puxando nosso grupo para atravessar a rua e caminhar alguns metros, até adentrarmos o bar reservado que tinham escolhido para a noite.

Nos sentamos em uma mesa mais ao fundo e Donatello logo fez sinal ao garçom para que trouxesse uma rodada de shots, dizendo que era assim que se "dava início aos trabalhos". Eu já estava no inferno, era melhor abraçar o capeta, então virei o pequeno copo de líquido transparente sem me importar com o seu conteúdo.

Em seguida vieram os drinks, eu pedi uma dose generosa de Whisky com duas pedras de gelo, enquanto Donatello se jogava em algo que continha café e conhaque, e Tomás optava por algo colorido e açucarado, arrancando julgamentos e risadas do garçom e do nosso colega, indiferentemente.

— Se você não tivesse feito uma filha, eu teria certeza que gosta é de outra fruta, Tom. — Donatello provocou, tirando uma com a cara dele.

— Ah é? Se você não tivesse entradas de calvície, eu teria certeza que não tem idade pra beber ainda, Don. Café às 21h? Vai daqui para a balada ou vai virar a noite pra entregar o trabalho de literatura?

— Toma, distraído. — Proferi, me permitindo rir da interação.

— É que aguentar essa pressão baixa do Miguel demanda cafeína, cara. — Ele virou o jogo para mim, me fazendo revirar os olhos.

Querida CiganaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora