[Capítulo 12] Zoe

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Olha só, caro leitor, eu vou te poupar de tudo que aconteceu depois que a Nicole perdeu aquela cabecinha linda que ela tinha acima do pescoço e deu a pior notícia que eu já tinha recebido na minha história, tá bem?

No livro sobre a minha vida, essa passagem se chama "O Dia Em Que A Zoe Infartou". É isso. Acho que nunca ouvi ou falei tantos palavrões em um espaço de tempo tão curto antes, e isso é dizer muito, considerando que desde que o vídeo vazou, essas palavras lindas e proibidas tinham feito parte do meu vocabulário mais do que interjeições simples.

Tudo que você precisa saber é que os quatro traidores que eu geralmente tinha o prazer de chamar de amigos, estavam super animados com a iminência do apocalipse, e listando uma série de motivos — com os quais eu já não me importava — para reforçar que aquilo ia dar certo — o que é muito relativo — e que nós deveríamos tentar — sendo que o "nós" era a chave final para assinar o contrato da venda da alma ao diabo.

Eles disseram que todo mundo já achava que nosso ódio era tesão reprimido, então aquela mentirinha inocente ia colar. Também lembraram que nossa história de anos reforçava algo avassalador que poderia ter tomado conta da gente e apressado a insanidade. Teve quem dissesse que nós éramos os maiores interessados, então nos esforçaríamos mais do que qualquer outra pessoa para dar cabo à situação, e quem dissesse que isso era o de menos, porque não encontraríamos uma narrativa que se encaixasse tão bem no mercado.

Aparentemente, o fato de Miguel ser percebido como frouxo agora ajudava a minha imagem de recatada a se estabelecer, da mesma forma que a difamação sobre eu ser uma depravada ajudava ele a ter uma imagem de alguém mais firme. Eram os opostos se balanceando, ou algum absurdo do tipo.

— Vocês já se pegaram antes. — Tomás lembrou, fazendo Donatello revirar a cabeça em um "como é que é?" que roubou toda a cena daquela novela mexicana mal escrita.

— Valeu, gênio. — Miguel rosnou, lembrando que Don não sabia da história.

— Eu sabia! Eu sabiaeusabiaeusabia! — Ele comemorou, dando piruetas como se tivesse menos idade do que a minha afilhada.

— Tá, foi mal, mas fato é que isso aconteceu. — Tomás abanou o ar, dando pouca importância para a celebração óbvia do outro. — Vocês não podem fingir que voltamos uns dez anos no tempo e resolver essa desgraça de uma vez? Não devia ser tão difícil assim.

— Só tem um problema na sua teoria, querido. — Eu disse, cruzando os braços firmemente abaixo dos seios. — Naquela época, éramos amigos. Hoje, a gente se odeia.

A palavra rolou estranha na minha língua, porque na maior parte do tempo eu pensava aquele tipo de coisa no silêncio da minha cabeça, ou demonstrava estando com raiva de Miguel por alguma discussão. Colocá-la assim, em uma folha em branco no meio de uma fala clara e em bom tom, parecia excessivo.

Mas não era, era? Eu realmente odiava ele e ele me odiava. Era assim que agíamos durante 99% do tempo, e o 1% que faltava era só porque estávamos, sei lá, dormindo ou algo assim.

— A gente não consegue ficar no mesmo cômodo mais do que cinco minutos sem estar um na garganta do outro e vocês acham uma boa ideia eu fingir que amo essa mulher. — Miguel ridicularizou, e uma veia no meu pescoço saltou, novamente estranhando o teor daquilo que capturava meus ouvidos.

Mas o que diabos...

Ah. Ah! O vídeo. O inferno do vídeo que assistimos juntos e o caralho do flerte que seguiu durante. Era isso. Minha vagina estava discordando firmemente daquelas declarações, porque ela não tinha um cérebro para chamar de seu, a coitada. Alguém precisava avisá-la.

— Vão descobrir a verdade em menos tempo do que eu consigo dizer "maçã". — Eu concordei. — Mesmo se a gente planejasse tudo milimetricamente, não dá para disfarçar algo tão visceral quanto duas pessoas que não se suportam.

Shh, vagina. Ninguém te chamou. Vamos ficar bem quietinha e deixar minha cabeça tomar as rédeas aqui, sim?

— Não sei não. — Melissa estalou os lábios, com uma cara de quem vê mais do que está realmente à vista. — A gente tá aqui há pelo menos uma hora e até agora vocês não se mataram. O ódio de vocês está mais direcionado à situação...

— E ocasionalmente a nós. — Donatello ajudou.

— ... Do que um ao outro.

— Não foi você que disse que eu não ia sobreviver na cadeia? — Perguntei, ironicamente. — É só por isso que ele ainda respira. Tô tentando manter meu réu primário.

Há, há. — Miguel revirou os olhos, com sua soberba insuportável.

— Bom! — Nicole bateu palma, cortando nossa iminente picuinha. — É o melhor que temos para o momento. Na verdade, é a única coisa que temos no momento. Ou são vocês juntos, ou é a falência. Mas vou deixar vocês pensarem um pouco sobre isso, sim?

— Ajuda se vocês lembrarem que temos mais de mil e oitocentos funcionários, que vão ficar sem emprego, incluindo seus quatro melhores amigos. — Tomás ajudou, levantando-se para seguir a liderança da nossa assessora de imprensa.

— E que eu não tiro férias há uns quatro anos. É uma rescisão bem gorda. — Melissa também achou pertinente adicionar.

— E que vocês já se pegaram. — Esse foi Donatello. — Há! Eu adoro que eu sei disso agora. E aliás, como foi isso, hein? Foi só um beijo, um amasso, ou vocês realmente estiveram dentro das calças um do outro? Meu Deus, você sabe a cor dos mamilos dela, não sabe, Mica? E Zoe sabe que cara você faz quando chega lá?

— Cala a boca, imbecil! — Eu e Miguel protestamos juntos, sem querer, trocando um olhar impressionado com nossa sincronia e logo desviando como se tivesse sido apenas um erro de percurso.

— Vou querer saber tudo nos detalhes, ouviram? Tim tim por tim tim.

Miguel estava se levantando para calar a boca do nosso amigo com seus punhos, se necessário, mas eu já tinha jogado o mouse sem fio de Nicole na direção dele. O idiota deu risada e saiu correndo, seguindo os demais que deixavam a sala entre cochichos e preocupações.

Eu e Miguel permanecemos porque não tínhamos escolha. Cada um imerso nas suas considerações, listando as impossibilidades infinitas daquilo dar errado.

Listando, também, os motivos que deveriam nos fazer tentar.

E, infelizmente, a segunda lista afetava muito mais gente do que a primeira, de forma que... Não. Aquilo nunca ia dar certo.

Não ia, não ia e não ia de novo.

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Nota da Autora: Ei, gente! Acho que tá mais do que na hora de vocês saberem porque o Miguel e a Zoe se odeiam, certo? Teremos uma volta no tempo nos próximos capítulos justamente para explicar isso, antes de voltarmos aos dias atuais. ;)

Querida CiganaWhere stories live. Discover now