Capítulo 1 - Parte 5

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Anabel abriu os olhos, ainda não tinha amanhecido, e ela nem sabia ao certo se tinha dormido ou se havia apenas fechado os olhos e rolado na cama. Não dormia bem há vários meses. Toda vez que fechava os olhos tinha um pesadelo.

Algumas vezes acordava chamando o nome de Bella, os sonhos relacionados a sua amiga eram os mesmo: Ela sendo forçada todas as noites a se entregar pra Lúcio. Anabel ainda nem poderia acreditar que permitiu que sua amiga passasse por isso. Ela lembrava-se todo dia que, na época, tinha mesmo cogitado matar Lúcio e cada dia que passava sentia que deveria ter feito isso. Deveria ter protegido sua amiga. Deveria ter matado aquela besta. Anabel sempre soube que ele não era confiável, sempre soube que ele não deveria ficar perto da sua amiga. Mas já tinha decidido que um dia iria procurar pelos dois e, quando esse dia chegasse, ela o mataria sem hesitar. Matar alguém era uma linha que ela não tinha mais medo de cruzar.

Tinha pesadelos também com sua mãe. Nesse caso, não eram cenas forjadas, eram lembranças: Ela ficava repassando a sua mãe sendo morta por aquele Menino Lobo. Todos diziam que o Mau estava morto, mas Anabel duvidava disso. Sabia onde tinha acertado a faca, um curativo o faria ficar bem. Mais uma vez sentiu nojo da sua covardia, ela poderia ter matado ele. Anabel era boa de mira, poderia ter acertado em qualquer lugar das suas costas e poderia ter matado, mas não o fez.

Odiava ter que admitir isso, mas não passava de uma covarde. Tinha medo de cruzar aquela linha, de matar alguém e sentir aquela sensação que sentiu quando tirou a vida daquele homem na simulação. Mas também já tinha decidido: Quando visse aquele garoto, não faria de novo, não hesitaria, ela mataria Mau lenta e dolorosamente.

Mais recentemente, Catarina tinha entrado na lista de pesadelos. Recebera uma carta dela onde contava o que estava prestes a fazer e, a partir de então, as noites de Anabel se enchiam de imagens de uma Catarina chicoteada ou sem cabeça ou os dois.

Lembrava a todo momento de uma história que tinha ouvido quando pequena, de uma mulher do Vale Fortaleza. Após a morte do marido, ela não tinha mais como sustentar a casa, então enterrou o corpo dele no quintal e começou a se passar por ele. Quando o crime foi descoberto, algumas semanas depois, ela foi chicoteada e chegou perto da morte. Sentia que a situação de Catarina era ainda pior, afinal, ela estava no exército, estava se passando por um soldado, estava traindo o estado e todos sabiam que punição para crimes contra o estado é a morte.

Embora estivesse cansada, não queria voltar a dormir. Tinha a sensação que esses sonhos repletos de monstros, lobos, estupros, decapitamentos, acabariam deixando ela maluca. Será que já não tinham deixado?

Balançou a cabeça e levantou da cama.

Faria sua caminhada matinal pelo vale mais cedo. Caminhava sozinha com muita frequência nos últimos tempos, estava proibida de entrar na floresta e Atílio tinha até mesmo ameaçado prendê-la se descobrisse alguma travessura. A) Anabel não acreditava que Atílio fosse fazer isso. B) Se ele não estivesse brincando, ela não teria medo de ir presa.

O único problema nessa história toda é que ela precisava bolar um plano para achar o garoto lobo e depois matá-lo. Só então entraria na floresta de novo, não faria como da última vez em que não tinha nada planejado. Mas nem sabia por onde começar. Nem sabia onde aquele povo vivia.

Toma banho, veste uma roupa leve, escreve um bilhete para sua avó e deixa na cabeceira da cama, não se esquecendo de dar um beijinho nela antes. Ficava feliz por ter sua avó. Na verdade, era mais que isso, se tivesse que escolher só uma pessoa no mundo para viver com ela, escolheria sua vovozinha Ruth. Anabel tinha perdido todo mundo, só tinha sua avó e, com toda certeza do mundo, não a trocaria por ninguém. Pega seu capuz vermelho e sua bolsa com as facas, não saia mais de casa sem elas.

2 - Sobre Meninas e DesejosWhere stories live. Discover now