9 - Quando há uma exceção e sobre a garota das borboletas

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Shiori encarava os dois potes de vidro que se encontravam lado a lado em sua prateleira de almas ainda presas às suas vidas anteriores e suspirou. Havia anos que aquelas duas lagartas não cediam e permaneciam ali. Ela havia tentado de todas as formas fazer com que elas seguissem em frente, mas as duas almas pareciam infinitamente infelizes para conseguirem esse feito.

Naquele instante a ceifadora estava sozinha. Já não tinha mais a companhia de seu jovem amigo Kamui Murakami, e isso havia tempos. Logo depois da morte da mãe, Kamui tentou retornar ao seu dia-a-dia, indo trabalhar e voltando de noite para o chalé na floresta, mas um dia, o homem para quem o menino trabalhava foi confundido com alguém devia muito dinheiro a alguém importante de outra vila, o que custou a vida de ambos. Foi a primeira vez que Shiori Sasaki chorou ao coletar uma alma.

Kamui foi liberto da vida terrena diretamente em forma de borboleta, porém, sua alma não queria ascender aos céus como deveria. Ele ansiava por ficar junto de seu pai e sua mãe que ainda possuíam forma de lagarta.

— Você precisa ir, Kamui. Ou coisas ruins podem acontecer. — Shiori disse pela décima vez no último dia limite do menino na Terra. — Vá, eu prometo cuidar dos dois até que eles estejam preparados para a próxima fase da vida. — Disse. — E uma promessa sempre deve ser cumprida. — Ela sorriu um sorriso triste.

A alma de Kamui pairou sobre Shiori por alguns instantes.

— Sim, eu já disse que prometo. — A garota respondeu ao questionamento mudo para humanos, mas completamente compreensível para shinigamis.

A borboleta deu um pequeno rodopio e mais uma vez parou antes de finalmente alçar voo.

— Adeus, meu amiguinho. — Shiori acenou enquanto via a borboleta roxo-azulada desaparecer no céu.

Adeus, garota das borboletas, ela pôde ouvir a despedida ao longe.

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Décadas se passaram desde que a ceifadora Shiori Sasaki havia encontrado uma amizade entre os humanos, agora estavam no século XXI e sua casinha na floresta havia virado uma bela floricultura conhecida por vender as mais belas flores pelo preço mais amigável da região.

Muitas coisas haviam acontecido desde que Kamui Murakami havia ascendido aos céus. A primeira guerra mundial, a segunda guerra, o Japão se tornando uma das maiores potências do mundo. As únicas coisas que permaneciam iguais eram o trabalho de shinigami de Shiori e o estágio de lagarta de Makoto Murakami.

Anos e anos se passaram, até mesmo Daisuke Murakami, o marido de Makoto, havia passado para a fase de casulo, mais ou menos há vinte e oito anos atrás, mas a senhora Murakami parecia se recusar a seguir em frente. Shiori podia ouvir o sofrimento daquela alma. Ela estava arrependida por não ter dado todo o amor e carinho que seu filho merecia e não percebia o quanto o tempo havia passado.

A antiga garota das borboletas ainda encarava o potinho com a lagarta de Makoto que por algum motivo era a única que carregava consigo para quase todos os lugares que ia. Talvez fosse a promessa que fizera a Kamui, mas ela sentia que tinha a obrigação de estar com aquela alma sempre por perto.

Shiori estava distraída quando um novo cliente entrou em sua floricultura fazendo a sineta da porta tocar.

Irasshaimase! — Exclamou ao casal que entrava. Quando ela encarou o rapaz ela quase soltara um gritinho de surpresa. Não podia ser!

— Ah, olá, senhorita...

— Sasaki, Shiori Sasaki.

— Olá, senhorita Sasaki, eu estou procurando por uma camélia. — O rapaz disse observando ao seu redor.

— E de que cor seria? — Shiori conseguiu disfarçar bem sua surpresa.

— Branca. — A moça que aparentava ter em torno de vinte e oito anos, respondeu.

— Só um momento. — Shiori disse indo buscar as flores e logo voltando com um jarro cheio de camélias brancas prontas para serem juntadas em um buquê.

— Olha, como são lindas! — A cliente que acompanhava o rapaz exclamou encantada.

— Vou levar um buquê. — O rapaz informou sorrindo. — Acha que sua mãe vai gostar? — Perguntou para a moça.

— Vai amar, ainda mais com a surpresinha que estamos para contar. — Ela respondeu acariciando a barriga que possuía uma leve protuberância.

— Aqui está, senhor. — Shiori interrompeu a conversa para entregar o buquê de camélias ao rapaz.

— Muito obrigado. — Ele entregou o arranjo para sua companheira e sacou algumas notas da carteira que eram o suficiente para pagar pelas flores.

Ele já estava para ir embora quando seu olhar se voltou ao pote de vidro de Makoto que estava no balcão.

— Sabe, quando essa borboleta sair do casulo, tenho certeza de que será a mais bela. — Apontou e depois continuou seu caminho.

Shiori ergueu a sobrancelha e voltou seu olhar ao pote. Ele já não continha mais uma lagarta triste e solitária, mas sim um casulo recém-formado.

A ceifadora não conseguiu refrear um largo sorriso de alegria e também de estupefação. A alma de Kamui Murakami havia voltado à Terra mesmo depois de ter ascendido de volta a papai. Uma exceção raríssima acabara de passar por ela...

— Parece que a família toda irá se reunir em breve novamente... — Ela murmurou para si mesma enquanto encarava o casulo de Makoto que estava pronta para reencarnar como a criança que se formava no ventre da companheira da alma de Kamui, que por coincidência ou não, possuía a alma de seu pai.

Makoto Murakami renasceria ao lado das duas pessoas que mais a amaram em sua vida anterior.

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⏰ Last updated: Feb 15, 2019 ⏰

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A Garota das Borboletas ✔️Where stories live. Discover now