3 - Marcas da morte e da loucura

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Alexis viu o choque. A descrença. E então a raiva. Os olhos dela pareceram duas chamas violetas cheias de fúria. Angel, era óbvio, ficava com raiva muito fácil. Tentava através de suas atitudes parecer fria, mas era na verdade o tipo de pessoa que transbordava emoções. Descontrolada, na opinião dele. E por isso ainda mais perigosa, pois pessoas como ela não mediam as consequências quando queriam extrapolar seus sentimentos.

E em certa dose, esse descontrole emocional poderia ser facilmente contagioso. Para Alexis aquela era, sem dúvida, a única explicação para as atitudes de horas antes. Naquele momento, no pátio, foi tomado por emoções diversas como como raiva, confusão, preocupação, entre outras que ainda tinha dificuldade para definir com mais clareza, pois eram muito estranhas a ele.

Após reparar que a garota precisava de cuidados, a levou diretamente para a enfermaria. Inexplicavelmente, assim que a médica viu a paciente, tentou afastá-lo o mais rápido possível. Disse que a garota se chamava Angel Lancaster e era apenas uma situação de falta de vitaminas. O guardião da garota a havia informado que isso poderia acontecer, mas não era nada grave, ela precisava apenas descansar e se alimentar. Alexis a deixou, mas ao ver a mochila que alguém tinha deixado sobre uma mesa, sem pensar muito, a levou consigo. Um chaveiro preto muito gasto, a letra "A" com asas, foi o que o motivou. Pelo pouco que notara dela, só podia se tratar de algum tipo de ironia. Assim como o fato de querer distância da garota, mas ficar com suas coisas, tinha que admitir.

Saindo de lá foi logo falar com a Reitora, queria saber o que aconteceria a Angel e ao Ren. A Sra Sullivan, que já havia sido informada da situação toda, achou melhor dar apenas uma advertência por escrito no relatório disciplinar dos dois. Angel era uma aluna nova que tinha um histórico complicado, só havia entrado na Alpha graças aos contatos do avô com vários membros importantes do Conselho Administrativo. George Lancaster era, além disso, muito amigo do Presidente do Conselho, Angus Baker, neto do fundador da Alpha. E Ren já havia sido punido o bastante ao ser humilhado na frente de todos por apanhar de uma garota. 

Assim que ficou sozinho em sua sala no CAA, Alexis repensou sobre tudo que havia acontecido naquelas horas. E mesmo diante do desgosto consigo após tal reflexão, não pode frear o pensamento questionador sobre a situação de saúde da desconhecida que havia deixado na enfermaria. E nem ignorar que ainda guardava muito nítido o exato aroma do perfume de jasmim. E o calor do corpo feminino que o exalava.

A traição tanto do corpo quanto da mente o deixou ainda mais irritado. Seu pai sempre deixou bem claro. Um Rei não deveria sentir nada. Era preciso pensar no povo, no bem estar das pessoas, afinal, fazia parte de suas funções de líder, mas sempre usando a razão e a lógica. Inevitavelmente as pessoas iriam querer usá-lo, manipulá-lo e destruí-lo se ele mostrasse qualquer fraqueza. Como os sentimentos que ele havia sentido. Apenas estes já seriam o suficiente para levá-lo a ruína. Seu próprio pai, aquele que o ensinou sobre isso, foi também quem primeiro tentou fazer uso das artimanhas sentimentais quando Alexis ainda nem era capaz de compreender seus conselhos. O que foi bom, de certa forma, pois nada como a prática para melhorar o entendimento de conceitos tão abstratos quanto aqueles.

Segundo o pai, a esposa Saray, que sempre fora uma mulher gentil e uma Rainha que conhecia seu papel, fugiu com o amante, abandonando o marido e o filho de apenas cinco anos por puro egoísmo, movida por algo que denominava "amor". O casal morreu algumas semanas depois em um acidente de avião. Foi divulgado pela mídia que terroristas haviam atacado o Sheik que acompanhava a rainha Saray, o que resultou na tragédia. Alguns anos mais tarde Alexis soube a verdade. Ouviu da boca do pai que ele mesmo havia eliminado a sua maior humilhação. Ele mandou explodir a aeronave. E os traidores.

Sentimentos deixavam as pessoas loucas. Irreconhecíveis. Descontroladas. Como a Rainha Saray. Como o Rei Hamad.

Seu pai nunca havia sido um homem afetivo, mas a partir do episódio se tornou um tirano. Após suas várias ações de crueldade, passou a ser detestado e temido. E só Alexis sabia o quanto era insano também. O Rei chorava escondido, como uma criança, pedindo perdão à falecida esposa, mas detestava olhar para o próprio filho. Por culpa. E esse remorso misturado a sua personalidade já anteriormente problemática o fazia querer dividir tamanha carga. Como ao lado dele só restava o fruto de sua maior frustração, sua fúria só aumentava. 

Destinados à PayreWhere stories live. Discover now