2: Hell or High Water

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Neil

   Nossa identidade e endereço mudavam a cada 20 anos.

   De 1943 até 1963 vivi como Nicolas Jamilson, junto a Kyle Donat e Jonas Moretto nas praias da Califórnia do Norte. 

   Durante o dia trabalhávamos fazendo bicos para nos manter e durante a noite procuramos criminosos para poder alimentar a água.

   Dava a impressão de ser mais fácil se fossem pessoas ruins. Nunca foi fácil, não importa a pessoa. 

   De 1963 a 1983 moramos na Flórida — sempre em alguma cidade com praia, não podíamos nos afastar do mar. — Novamente trocando identidades. Desta vez éramos Noah Jaskiew, Kory Delgado e Johan Meltis.

   Comecei a trabalhar em um bar em um bairro perigoso para facilitar nossa procura. Nunca era fácil atrair as pessoas para a praia e convencê-las a nos beijar. 

   O mais doloroso era ter que fazer isso com pessoas inocentes, o que bem, era quase frequente. Achar criminosos, — mesmo trabalhando em um lugar perigoso — era complicado e não tínhamos tempo, era preciso levar pelo menos uma pessoa para Riko senão… Bem, ele gostava de nos punir de diferentes formas, quase sempre fisicamente mas psicologicamente parecia mais divertido para ele. Às vezes os dois ao mesmo tempo.

   Ele nos colocava em um tipo de sono profundo e nos atormentava com memórias falsas sobre pessoas ou lugares das nossas vidas. Sempre cenários horríveis, e quando acordavamos era difícil distinguir se tudo aquilo fora real ou uma alucinação criada por ele — Riko amava fazer isso, misturar acontecimentos reais com falsos. 

   Novo ano, novos nomes, nova cidade.

   De 1983 a 2003 provavelmente foi a época mais difícil de passar. 

   Riko estava bravo, sempre irritado com algo. Ele tinha preferência por vítimas homens, e naquela época não conseguimos atrair muitos. A epidemia de AIDS havia começado e muitos homens estavam com medo, então não restava muitas opções a não ser atrair mulheres. 

   No começo ele não se importou, mas quando notou que passavam-se dias, talvez semanas, até trazermos algum homem, ele começou a se irritar. E Riko irritado significava que acabaríamos — na melhor das hipóteses — com alguns hematomas. 

   Uma vez, no meio da década de 90, quando ele passou dos limites na agressão e quebrou meu braço, ele percebeu que, naquela época eu trazia mais pessoas a ele.

   Ele começou a nos machucar mais ainda para poder atrairmos mais pessoas. Estávamos cansados e sempre machucados, mas o que podíamos fazer? 

   Em 2003 eu e os meninos decidimos nos separar. Me senti muito solitário. Por muito tempo esses dois foram tudo que eu tinha. Meu amigos, minha família. Eu sentia falta deles, mas pensamos que esse tempo seria bom para nós. De fato foi.

   Me interessei por fotografia e comprei uma câmera, era algo para me distrair e eu poderia usar como trabalho para ganhar dinheiro. Estava farto de trabalhar para os outros, queria fazer algo por mim, e deu certo. 

   Eu sempre era chamado para fotografar casamentos, festas ou apenas ensaios aleatórios. Eu adorava, era algo que me trazia certa felicidade. Um escape de toda dor de todos esses anos.

   Riko permitiu que nós ficássemos separados por 20 anos. 

   Não entendia porque ele precisava de nós três juntos, mas tentava não pensar nele e suas motivações a menos que fosse preciso.

   No começo de 2023 ele nos reuniu novamente. Conseguimos novos documentos para "recomeçar".

   Então recomeçamos, em uma casa grande o suficiente para 3. Recomeçamos como Neil Josten, Kevin Day e Jean Moreau. 

The Devil and The Deep Blue Sea || (completa)Where stories live. Discover now