Não desafie a supremacia dos porcos - Kefferson

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Baseado em Os Três Porquinhos de Andrew Lang


Era uma vez uma terra verde e exuberante que foi dominada por porcos. Eles, vindo do além-mar oeste, expulsaram todos os animais que ali viviam em pura harmonia. Nenhum escapou: onça, macaco, papagaio e até o seu primo distante, o javali, foram afugentados. Os porcos não eram tão fortes como as onças, ou ágeis como os macacos, e muito menos podiam voar como os papagaios; mas eles eram espertos. Violentamente espertos. Construíram engenhocas mirabolantes: bolarmadilha, cacospeta e flecharias; máquinas de combate feitas para destroçar tudo e todos que se opusessem a eles. Nenhum animal quis se opor a eles depois dos massacres; mesmo os mais fortes se apequenaram perante a ambição dos porcos.

Mas, em uma aldeia de lobos afastada de tudo e todos, uma esperança nascera quando o filho da aldeia veio tal qual o herói de uma lenda, a do Lobo Guará. A lenda dizia que um lobo de pelagem laranja-crepuscular banhado pelos primeiros raios da manhã traria de volta a harmonia em tempos de caos. Foi nomeado de Guará e treinado para fazer jus à lenda, ser forte e de bom coração para liderar todos os lobos a um levante contra os porcos.

Quando seu pai, o líder da aldeia, morreu nas mãos de um porco que avançou demais, Guará soube que era a hora certa de agir. Após assumir a liderança dos lobos, com a vingança nos olhos e a lenda o sustentando, rumou para o revide, a fim de fazer jus ao seu destino.

Descobriu que aquele que matou o seu pai fazia parte de uma nova empreitada dos porcos. Uma família com três pequenos porquinhos herdeiros estava avançando pela mata. Cada um com o seu modo diferente de consumir aquele paraíso verde: o mais velho, um pouco lerdo, foi no básico — construir extensos campos de plantações. O do meio, empenhando sua ganância, visou os lucros rápidos — desmatar a floresta, extraindo a madeira mais rígida para levantar as novas casas dos porcos. Por último, o mais novinho, de quem todos poderiam esperar inocência, foi bem esperto e pensou no futuro — limpou um grande espaço, enxotando toda planta ali existente, expulsando todo o verde para construir um gigantesco parque industrial, com tijolos caros e fortíssimos.

E ali estavam os alvos perfeitos para Guará: três porquinhos ingênuos que foram além dos limites de Fodasseburgo — aquele curral em formato de cidade. Eles foram os únicos que avançaram mata adentro; se fossem derrotados, isso daria o aviso perfeito. Mas algo faltava ao plano: como combater a esperteza violenta dos porcos? E eis que surge, como graça do destino, um novo membro para o esquadrão: um lobo velho, um veterano das Guerras de Invasão, cheio de cortes e marcas, um tapa olho e uma orelha faltando — a figura perfeita para dar força ao plano.

Como forma de demonstrar valor, Lobo Velho deu a localização de um depósito de armas dos porcos, abarrotado de cacospetas — a arma feita para estraçalhar lobos, que agora seria usada contra porcos. Invadiram sem muita dificuldade e armaram-se, criando, assim, um pequeno movimento insurgente. Os rebeldes estavam prontos para agir.

O primeiro ataque foi à fazenda do mais velho dos porcos, na queda da noite.

Invadiram facilmente o local, pois as plantações eram extensas mas a guarda era escassa. Singravam aquela vegetação alta como tubarões, predando os indefesos porquinhos. Com pequenas lâminas, os corpos eram picotados, e, com as cacospetas, despedaçados, pois todos seguiam à risca as ordens do Lobo Velho: não deixem um vivo! Entraram na Casa Grande aos chutes, estilhaçando porta, janela e porquinho. Subiram até a sala do patrão, que estava guinchando por socorro debaixo da mesa. Guará o pegou pelo braço e logo o rendeu sem muito esforço, mas um disparo inesperado veio.

— Eles não merecem a nossa misericórdia — disse Lobo Velho, com a cacospeta fumegante em mãos.

O mais velho dos porquinhos estava morto — com a barriga estourada pelo disparo — e Guará, confuso com as atitudes de seu aliado. "Ele não segue o código de honra dos guerreiros: um inimigo rendido é um inimigo derrotado", pensou. "Talvez eles não mereçam a nossa honra".

Na saída, com a vitória catártica, a selvageria dos outros aflorou. Atearam fogo nas plantações e empalaram os corpos que estavam mais ou menos inteiros. Eles queriam dar um aviso, e conseguiram.

Com a vitória do primeiro ataque, outras aldeias começaram a apoiar esse levante rebelde, assim o grupo angariou mais lobos para fazer um estrago maior. Partiram para o segundo ataque.

O segundo ataque foi à madeireira do irmão do meio, antes dos primeiros raios de sol.

A guarda do local era bem maior em comparação com a fazenda, mas os ingênuos porquinhos estavam com sono... Haviam acabado de fazer um turno intenso de 12 horas de vigília. Os lobos chegaram sorrateiros, assassinando os guardas nas esquinas, sem ninguém perceber. Diferente do primeiro ataque, não mataram todos logo de início, apenas o necessário para invadir o escritório no prédio central. O ganancioso irmão do meio tinha um plano de fuga por uma saída lateral, mas foi pego antes que pudesse dar adeus. Defenestraram o porcino, fazendo-o cair do segundo andar, e, ali mesmo, estatelado no chão, foi executado por um só tiro, um tiro limpo. Novamente Lobo Velho executou a sangue frio seu inimigo, mesmo ele estando rendido.

Na saída, assaltaram um galpão com flecharias. Acenderam os rojões-flechas, fazendo chover fogo sobre as construções.

Com a vitória dessas duas incursões, poderiam agora rumar para o terceiro e último alvo: aquele maldito parque industrial de tijolos. Mas, mesmo com as forças conquistadas entre ataques, os porcos ainda tinham vantagem sobre os lobos. Foi então que veio o plano do Lobo Velho: "iremos de noite, entraremos com poucos — de fininho —, subiremos o telhado das construções e lançaremos bombas direito pela chaminé, atingindo a fornalha", disse para no fim fazer um "kabum!" com as mãos. "Um plano perfeito", finalizou. Guará assentiu e assim fizeram: à noite, poucos entraram — de fininho —, subiram no telhado e, antes que as bombas descessem pela chaminé para fazer "kabum!" no final, o destino deu as caras novamente.

Alguns lobos empurram os outros para dentro da chaminé antes que pudessem lançar as bombas e até mesmo acendê-las. Um ataque de traição coordenado. Até mesmo Guará caiu nessa: foi empurrado sem hesitação pelo Lobo Velho dentro daquele buraco. Sofreu uma queda de uns 10 metros de altura, amortecida pelo carvão ainda em brasas da fornalha recém-desligada. Para selar ainda mais seu fim, outros lobos caíram sobre ele.

Os porcos dentro da fábrica abriram a portinhola da caldeira e puxaram o corpo quase morto de Guará. Os pelos laranja-crepuscular foram apagados pelo vermelho-sangue que vertia de seus ferimentos expostos e pela fuligem negro-carvão. Em um lapso de quase vida — com o único olho funcional que lhe restara — viu Lobo Velho ao lado de um porquinho vestindo fraque e cartola. Queria saltar e estraçalhar não só a cabeça do magnata suíno, mas também a daquele traidor da espécie. O porquinho ria com seus roncos suínos, empinando aquele nariz rotundo. Gozando de sua vitória.

Naquela noite, todos os lobos rebeldes foram mortos a tiros de pistola, sem a necessidade de cacospetas; a engenhosidade mirabolante do plano daquele porquinho já era suficiente. Até mesmo os traidores da espécie foram mortos, menos Lobo Velho; ele foi poupado. Mas sua sentença de vida não durou muito tempo. Quando foi buscar sua recompensa pela traição, levou um tiro fatal de surpresa de seu contratante. "Você achou mesmo que eu iria confiar num lobo? Haha! Porcos matam lobos, e eu não vou mudar isso", disse o porquinho roncando risos com seu nariz rotundo.

Depois daquela chacina no parque industrial, as construções, que avançavam cada vez mais e mais pela floresta, tinham crânios dos rebeldes lobos expostos como troféus em salas, salões e portas de entrada; eles queriam dar um aviso e conseguiram: não desafie a supremacia dos porcos.

Era uma vez um final distópico - contosWhere stories live. Discover now