CAPÍTULO 5

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Arthur e Merlin agora se encontravam sentados um diante do outro. O bispo havia cedido a sacristia para que conversassem a sós, sem serem importunados pela multidão. Havia muita coisa de que Merlin precisava informar Arthur. Este o olhava como se estivesse prestes a ouvir sua sentença, não a promessa de coroa e cetro. Merlin tinha a impressão de que ele havia chorado.

"O que há, meu caro rapaz?" O mago sentia uma grande alegria ao ver que o bebê que salvara tantos anos antes estava ali, crescido, forte e bem-criado.

"Parece que me envolvi em um grande mal-entendido, é isso o que há, milorde."

Merlin não tinha terras nem era senhor de nada, mas as pessoas não sabiam por qual título tratá-lo e sempre cediam ao "milorde" ou mesmo, às vezes, "Mestre". Por mais que ele retrucasse não fazer jus a tais tratamentos, ninguém ousava chamá-lo apenas pelo nome, de modo que ele já não fazia nenhum aparte.

"Não, meu caro Arthur. Meu caríssimo Arthur. É tudo como vós ouvistes. Sois o filho de Uther, o trono é vosso por direito, e é grande o meu contentamento ao ver chegado este dia, e ver o menino que salvei, o menino que quase teve o futuro roubado, assumir a herança que lhe é devida, e que quiseram confiscar."

"O rei confiava plenamente em vós, não era assim?"

"Sim, Majestade."

Foi a primeira vez na vida em que Arthur foi chamado assim. Encolheu-se na cadeira.

"Mestre Merlin, não sei nada sobre realeza, reis e rainhas. Fui criado longe da corte, cuidando da propriedade de meu pai — quero dizer, de Sir Ector — e treinando como escudeiro de meu irmão — digo, de Kay."

"Podeis continuar tratando-os por 'pai' e 'irmão', se preferis assim. Sei que é isso que eles representam para vós, e não nego que sinto certo orgulho: acho que escolhi uma boa família para vos acolher."

"Sim, obrigado por isso! Mas, Mestre Merlin, não teria sido melhor que eu houvesse sido criado na corte? Como eu dizia, nada entendo disso, não saberei ser um rei! O que sei eu?" E, após uma pausa: "Mestre Merlin, por favor: poderíeis ser meu conselheiro, como fostes conselheiro de meu pai?"

Merlin não tinha garantia alguma de que Arthur o quereria por perto, uma vez que houvesse se tornado rei. Não seria sacrifício para ele abandonar a corte, mas lamentaria não acompanhar de perto o reinado daquele menino que, ele bem o sabia, seria um rei melhor do que o fora seu pai. Bondoso, porém firme e justo.

Arthur estava enganado: não, não teria sido melhor para ele ter sido criado na corte. Merlin não escolhera Sir Ector apenas pelas razões pragmáticas que listara na noite em que lhe entregara o menino. Ele amava Uther, mas não podia fechar os olhos quanto a quem o rei realmente era: vaidoso, violento, voraz, egoísta, muitas vezes injusto. Ao salvar aquele menino, Merlin desejou que um dia ele se tornasse um rei nobre como o pai jamais fora. Sir Ector era um homem honrado que o criaria com valores sólidos — e morava longe o suficiente da corte e de suas intrigas e vilanias.

***

Merlin nunca quisera nada para si. Meditando sobre suas motivações até aquele momento de sua vida, dava-se conta de que nunca houvera motivação alguma. Um dia, era um menino de dez anos vivendo de favor no convento que abrigava sua mãe, e preparando-se para se empregar como aprendiz onde quer que o quisessem aceitar. Sem entender por completo seus poderes, e com medo de alguém descobrir que ele era diferente dos outros meninos de maneiras que iam muito além da lenda de haver sido gerado sem um pai.

Até que, de súbito, foi arrastado pelos homens do Rei Vortigern, a fim de ser sacrificado num ritual de magia que garantisse a estabilidade da torre que este tentava construir sem sucesso. Os magos do reino haviam garantido ao monarca que, para que a torre se mantivesse de pé, seria necessário usar, na argamassa, o sangue de um menino sem pai. Assim, Merlin foi sequestrado e levado até o rei.

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now