LIVRO 2 -- CAPÍTULO 2

214 27 8
                                    





O rei apressou o passo, deixando a esposa para trás e aproximando-se da irmã.

"Milady, passastes a noite aqui?"

O aspecto de Lady Morgana o preocupou. Na véspera, quando ela lhe batera à porta para avisar que a ama passara a noite fora, já parecia lívida e exausta — devia ter passado a noite em vigília, à espera de Lady Viviane. Esta seria, pois, sua segunda noite insone. Morgana não respondeu. Seu olhar vagava, desorientado, sem fixar-se em nada. A postura encolhida a fazia aparentar ser menor do que era — parecia mesmo mais magra, e Arthur desconfiava de que estivesse em jejum desde o sinistro. Repetiu a pergunta, "Milady, passastes a noite aqui, em claro?"

"Hum...? Sim, acho que sim, passei, sim!"

"Por quê, milady?"

"Lady Viviane não suportaria ficar aqui sozinha, Majestade!"

Por mais preocupado ou penalizado que estivesse, guardou seus juízos para si. Não era o momento de contradizer a irmã. Aquiesceu com a cabeça, concordando, e estendeu-lhe a mão para ajudá-la a se levantar, dizendo, "O cortejo já vai sair, vamos?"

Ela tomou a mão que ele lhe oferecia, mas, ao erguer-se, bambeou para a frente e para trás, vítima de uma tontura súbita. Instintivamente ele a abraçou, amparando-a. Temeu que ela desmaiasse. Parecia tão fraca! A caminhada seria curta, mas duvidou de que Lady Morgana conseguisse completá-la sem ajuda. Dirigiu-se a Sir Lancelot, a poucos metros de distância:

"Sir Lancelot, poderíeis conduzir nossa rainha? Eu seguirei com minha... irmã." E, baixinho, para Lady Morgana, "Aguentai mais um pouco, já está quase acabando."

Lancelot apressou-se a oferecer o braço a Guinevere, que, após uma breve hesitação, aceitou, olhando desaprovadoramente para Arthur. Mas este, de costas, nada percebeu. O caixão foi fechado e ladeado pelos seis cavaleiros que o carregariam ao local do enterro.

Era a primeira vez que Arthur andava de mãos dadas com Lady Morgana. A meio caminho, ela apoiou a cabeça em seu ombro, como se não tivesse mais forças para mantê-la erguida, e chorou baixinho. Sem pensar, Arthur enlaçou sua cintura, para apoiá-la melhor. Recriminou-se a seguir, como se, por meio daquele gesto, estivesse confessando a todos ali os seus verdadeiros sentimentos por ela. Tentou tranquilizar-se, dizendo a si mesmo, "Não há nada de errado em confortar minha irmã num momento de dor! Isso é o esperado!"

Morgana não repeliu o abraço, parecia mesmo apreciar o apoio prestado. Estaria, porém, consciente do que se passava? Tinha um ar ausente, em choque. No entanto, tampouco se esquivou na véspera, quando ele a beijou. Pareceu corresponder. Então, por que se desprendeu de seus braços tão bruscamente e fora embora sem nada dizer, sem sequer olhá-lo? O que isso significava?

Desde que ela lhe dera as costas no jardim, não pode vê-la a sós em nenhum momento, portanto só lhe restava ruminar sem trégua suas incertezas. Tanto melhor! Devia deixar o incidente morrer no esquecimento e não tocar mais no assunto. Não tinha nada de honroso a oferecer a Lady Morgana, pelo contrário: apenas a vergonha do papel de amante, a ignomínia do incesto. E uma terra só é sadia e próspera enquanto seu rei for sadio, puro e bom. As palavras de Merlin ecoavam em sua mente. Levou a mão ao peito, onde, oculto por baixo das roupas, trazia o medalhão que fora do amigo. Sentiu-se constrangido, como se o mago soubesse de tudo e o censurasse.

A última pá de terra sinalizou o fim da cerimônia, a que Morgana assistiu abraçada ao irmão do início ao fim, desapercebida dos olhares de Guinevere.

Vale sem RetornoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora