LIVRO 2 -- CAPÍTULO 1

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Deitado numa mesa do grande salão, estava o corpo. Era madrugada, todos estavam há muito recolhidos, mas Morgana permanecia ao lado de Viviane, para que ela não se sentisse assustada ao ser deixada lá sozinha. Pobre Viviane, tão discreta e tímida em vida, jazia completamente exposta no post mortem. Morgana julgou que sua presença daria alguma coragem à amiga.

Ela seria enterrada em Camelot com todas as honras. Havia urgência no sepultamento, pois, tendo passado tantas horas no rio, o cadáver não estava em bom estado, o que impedia seu transporte para um funeral em Briogne — uma longa viagem mesmo para um corpo bem conservado.

Morgana vestira Viviane com o mesmo vestido azul que lhe havia emprestado naquele dia em que quis embelezá-la ainda mais para Merlin. Trançou-lhe os cabelos como fizera então, tendo o cuidado de cobrir com flores as falhas no escalpo.

Ao vê-la com o mesmo vestido, o mesmo penteado daquele dia, era como se o tempo não houvesse passado, e pudesse evitar a tragédia. Mas não: estendida no caixão depositado sobre a mesa, Viviane aguardava que o sol nascesse para ser sepultada. E, sentada a seu lado, no silêncio do castelo, Morgana velava, opressa pelo remorso.

Às vezes, cochilava por breves segundos e acordava assustada. Sonhava com a amiga, sonhos brevíssimos. Elas conversavam no jardim do castelo, onde haviam passado tantas horas juntas. O sol deixava os cabelos de Lady Viviane acobreados, e era tão exageradamente brilhante que Morgana deveria ter desconfiado de que era um sonho. Mas estava ansiosa demais para prestar atenção a detalhes. Queria confessar à amiga que beijara o irmão, dividir sua perplexidade com a dama de companhia, e aliviar seu peito. O jardim, porém, transformou-se num bosque (outro indício de que sonhava, também ignorado), e Viviane parecia não ouvi-la. Estava ocupada tateando o ar, semblante aflito, em busca de algo.

Sons de passos despertaram Morgana, e ela percebeu que o grande salão já se iluminara com os primeiros raios de sol que atravessavam as janelas. Angustiada, enfim compreendeu que sonhava. Viviane não estava no jardim, tampouco no bosque, mas num caixão sobre a mesa. Quis gritar de desespero, mas, percebendo as várias pessoas que se aproximavam, conseguiu conter-se, roendo os nós dos dedos. Entre elas, vinham Arthur e Guinevere.

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now