CAPÍTULO 21

360 35 44
                                    

A noite caíra e Viviane ainda não retornara. Morgana estava alarmada, mas não preocupada, ainda. No entanto, as horas prosseguiam sem que ela reaparecesse. Foi difícil conseguir dormir naquela noite. Morgana presumia que, caso Viviane voltasse ao castelo, não iria procurá-la. Por isso, levantou-se diversas vezes para ir até o quarto de Lady Viviane, ao lado do seu, mas este continuava destrancado e vazio. Era possível que ela continuasse na floresta até então? Sair para fazer uma busca na escuridão noturna seria perigoso e infrutífero.

Tão logo viu os primeiros raios de sol pela sua janela, buscou seus sapatos ao lado da cama, enfiou-os nos pés e levantou-se. Ela tinha que trazer Viviane de volta, nem que fosse para devolvê-la ao pai, caso ela quisesse!

Enrolou-se num xale e partiu, o mais silenciosamente que pode. Seria melhor sair pelos fundos, menos vigiados. Tinha medo de se encontrar com alguma guarda na entrada. Atravessou o corredor onde ficava seu quarto, alcançou a escada — como correr sem fazer barulho? — e seguiu até a cozinha, onde havia uma porta para o exterior. Abriu os ferrolhos, saiu — odiava respirar aquele ar gelado das auroras —, e encostou a porta devagar.

Por onde deveria seguir? Melhor voltar para o ponto do bosque onde a vira pela última vez, e buscar por algum rastro ou pegada. Levou cerca de meia hora para atingir o local. E agora? Muitas horas haviam se passado, e o chão, quase todo coberto de folhas, não registrava pegadas. Olhou ao redor. Teria ela ido até o rio beber um pouco de água, lavar o rosto, se acalmar? Na tentativa de refazer os possíveis passos de Viviane, Morgana se dirigiu até lá. Prosseguiu conjecturando. Bem, digamos que ela tenha se ajoelhado diante do rio para pegar um pouco de água. E, assim, Morgana fez. Quando ia mergulhar as mãos em concha na água, percebeu pelo canto do olho que algo se movia no rio, do seu lado direito. Levantou-se e deu alguns passos naquela direção, mas estancou de repente. Suas pernas, dormentes e paralisadas, não avançavam mais, e o tremor que a invadiu fê-la desabar no chão.

Era Viviane. Ou, antes, seu corpo. Ela boiava junto à margem do rio, seus cabelos e braços presos aos cipós, algas, e todo tipo de vegetação aquática. Fora um golpe de sorte que as plantes a houvessem envolvido, do contrário ela teria sido carregada para longe pela correnteza, e talvez nunca se descobrisse o que de fato lhe acontecera. Com o movimento das águas, sua cabeça batia ritmadamente numa pedra, e uma parte de seu escalpo estava faltando. Os lábios estavam arroxeados — também as unhas. A pele, acinzentada e sem vida. Trazia um medalhão com umas inscrições estranhas enrolado no pulso por uma corrente.

Morgana precisava cuidar para que Viviane fosse encontrada ali. Seria difícil resgatar aquele corpo sozinha, tampouco queria que soubessem que ela fora a primeira a encontrá-lo, o que poderia parecer suspeito. Vagou como um espírito entre as árvores, até chegar à porta da cozinha. Teria que tomar um cuidado redobrado ao retornar ao seu quarto. Alguém a esta altura já poderia estar acordado. A cozinha seguia vazia. Era tão cedo quando Morgana saíra que, mesmo passada mais de uma hora, o castelo ainda dormia. Caminhava com dificuldade, devido aos tremores de seu corpo. Finalmente, alcançou seu quarto. Jogou-se em sua cama e tentou acalmar-se. Estendeu a mão para alcançar a moringa com água pela metade na mesinha lateral. A moringa que Viviane enchera na última noite que passara ali. Bebeu-a como quem bebe um líquido sagrado. Os barulhinhos do castelo começavam a chegar até ela. Passos, abrir e fechar de portas. Esperou ainda um pouco. Tirou o xale, bagunçou um pouco os cabelos, e esperou deitada, para garantir que ficassem marcas de lençóis em seu rosto.

Levantou-se uma meia hora depois. Não precisava fingir-se de transtornada — era mesmo transtornada que ela se sentia. Correu até a porta do quarto de seu irmão e bateu. O protocolo exigia que fosse anunciada, mas tratava-se de uma emergência.

"Alteza!, Alteza!, Alteza!" e por fim: "Arthur, abra esta porta, por amor dos deuses!"

Ouviu passos. Por fim, a porta se abriu. Em outra ocasião, poderia ter achado graça da visão de seu irmão de cabelos arrepiados, camisolão de dormir e cara de susto, mas hoje não conseguiria rir de nada. Ao fundo, ainda deitada, Guinevere os observava.

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now