eu (não) me lembro.

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Não tinha como negar que dois homens de mãos dadas e usando kilt chamavam muita atenção, e foi o que Amaury notou quando saíram do hotel. Não podia julgar os turistas, não ia ser modesto e dizer que não era nada.

Ele e Diego ficavam bem juntos, e qualquer um podia ver isso. Mas andar de mãos dadas com Diego foi uma luta, porque ele não queria. 

Bom, pelo menos, tentou fingir que não. 

O menor desistiu de ficar longe de Amaury nas calçadas depois do professor ameaçar mandar mensagem para Dona Erika falando sobre eles.

Diego apenas aceitou seu destino, e foram caminhando lentamente por Edimburgo até o restaurante, com os dedos entrelaçados e, por vezes, com as mãos balançando, quando Diego fazia alguma graça que fazia Amaury rir alto.

O restaurante ficava em uma esquina charmosa no centro de Edimburgo, com uma fachada de pedra antiga, típica da arquitetura da cidade, e grandes janelas envidraçadas. 

Eles se sentaram em uma mesa perto da janela, que tinha vista para a praça principal, onde pessoas caminhavam e artistas de rua se apresentavam, enquanto a noite se fazia presente. 

Diego sentiu que estava em um daqueles filmes de romance clichê, e o sentimento só aumentava porque Amaury falou algo em inglês com o garçom, e Diego só percebeu dois minutos depois que ele tinha pedido uma garrafa de vinho branco, com a sugestão de prato do chefe.

— Eu odeio você. Como sabe que eu só tomo vinho branco?

— Eu sei porque... Bem, eu sei de muitas coisas. E não, você não me odeia, pequetito.

É, Diego não odiava.

Já odiou em algum momento, e não foi pouco. É estranho gostar de uma pessoa de imediato e depois perceber que ela é meio idiota. Meio idiota, não. Idiota completo. 

Um idiota raiz.

Mas o que Diego mais odiava, desde o começo, era o fato de que, mesmo odiando Amaury, ainda gostava dele. Nunca se permitiu conversar com ele mais do que o necessário nos encontros de família, porque, no fundo, sabia que acabaria se acostumando com aquilo.

E mesmo não o fazendo, havia se acostumado.

Agora, olhando para trás, se perguntou por que demorou tanto tempo para deixar ir o sentimento que cresceu desenfreado dentro do peito. Ele alimentou aquele sentimento, sim, e a culpa não era só dele. Mas agora, olhando para o professor à sua frente, começava a achar que Amaury sequer sabia o que tinha feito.

Tinha muitas coisas para perguntar a Amaury, e todas elas envolviam fatos históricos que o professor com certeza saberia responder, como o fato de haver um vulcão naquela cidade. Amaury tinha comentado no primeiro dia deles ali e não tocou mais no assunto.

Mas havia coisas que seu coração precisava dizer antes, antes de fazer Amaury falar sem parar sobre qualquer coisa que Diego aprenderia, não só pelo assunto ser interessante, mas por ser Amaury falando.

— Mas eu odiei. De verdade. — seu tom saiu embargado. — O odiei quando me tratou como criança. E quando falou no teatro.

A segunda parte saiu sem que Diego esperasse que fosse tão... pesado. As palavras pareciam pesar toneladas em seu peito, e ele sentiu alívio ao colocá-las para fora, mas não menos mal por isso.

Já chegou a achar que era uma grande besteira se importar tanto com o que tinha acontecido. Havia sido anos atrás, e as pessoas mudam o tempo todo. Mas, com o tempo, passou a entender que, se doeu tanto, era porque ele se importava.

E doeu. Na época, doeu. 

Doeu porque se importava com o que Amaury achava dele, mesmo antes de conhecê-lo melhor, se importava porque o homem alto, de pele negra e cachos que o irmão trouxe para casa naquele dia e apresentou como seu cunhado era, de longe, a pessoa mais interessante que Diego já havia conhecido na vida.

idiota raiz | dimauryOnde histórias criam vida. Descubra agora