♪Adagio

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"A música nasceu livre e seu destino é conquistar a liberdade."

— Ferruccio Busoni


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Repousei minha cabeça em cima do piano, cansada demais para continuar a tocar. Meus dedos doíam devido ao esforço de horas afundando teclas brancas e pretas sem nenhum descanso. Olhei para o relógio pendurado na parede, eu havia tocado por quatro horas sem parar. Inspirei profundamente, me recompus e sai de casa.

As ruas já estavam repletas de folhas alaranjadas, anunciando a chegada definitiva do outono. E o frio também começava a dar as caras, o vento gélido que sentia em meu rosto me fez cogitar a ideia de voltar para dentro do aconchego da minha cama. Mas continuei a caminhar em direção a lugar nenhum, precisava de ar para refrescar todos esses pensamentos que estão explodindo minha cabeça.

Entrei no café que sempre frequentava. Como de costume, as luzes amarelas estavam acesas, as poltronas de veludo marrons e pretas juntas com as mesas de madeira deixavam o ambiente aconchegante. Me sentei no balcão e o jovem que estava lá logo me notou.

Ele tinha cabelos castanhos e olhos da mesma cor, que muitas vezes passavam despercebidos devido aos óculos de grau redondos que sempre usava e que escondia grande parte de seu rosto. Assim que me viu esboçou um sorriso amigável.

— Olá, Lyra! — falou alegremente.

— Boa tarde, Henri — respondi, sorrindo também.

— O mesmo de sempre? — confirmei com um aceno de cabeça. — Você veio sem suas partituras hoje? — comentou dando as costas para mim e dando atenção a maquina.

— Nem me fale! — suspirei. — Fiquei horas praticando um dueto de Rachmaninoff! Estou exausta!

— Rachmaninoff... Interessante — disse pensativo, em seguida se virou novamente e deixou meu pedido: café e um pedaço de bolo. Desta vez Henri apoiou os cotovelos na bancada, esperando para que eu contasse a história do dia.

— Lembra-se de Arabesque?

— A loira baixinha que veio aqui com você um dia desses?

— Ela mesma! — dei uma pausa. — Ara me pediu para tocarmos Love's Sorrow juntas para a banca no fim do semestre, mas preciso praticar para as provas finais... E isso fez com que eu entrasse em um dilema! — falei e em seguida deixei minha cabeça cair na bancada.

— Parece complicado... — comentou vagamente.

Henri não entendia muito sobre música clássica ou de teoria musical, mesmo que se esforçasse para compreender ainda era um pouco difícil assimilar tudo, mesmo assim ele tentava.

Lembro-me de uma vez em que ele decidiu ouvir a uma sonata de Beethoven e no dia seguinte veio me contar que dormiu nos primeiros minutos de música. Me recordo de rir da expressão que ele fizera, parecia envergonhado de me dizer aquilo, mas foi gentil de sua parte tentar um estilo musical diferente apenas para agradar uma amiga.

A chegada de um jovem ao balcão fez com que nossa conversa se encerrasse, e isso foi algo positivo, Henri não precisaria levar mais uma bronca de seu chefe por estar conversando durante o expediente.

O homem que aparecera e sentara ao meu lado parecia exausto tanto quanto eu estava alguns minutos atrás. Ele abriu sua mochila e tirou de dentro dela uma partitura de Saint-Saëns que reconheci logo de cara: Introdução e Rondo Capriccioso em A menor. Depois de meses e meses tocando esta música a sabia de cor e salteado.

Mozart Terminou ComigoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora